Em 11 anos de Festival e no terceiro ano da Mostra Africana, a animação de Pâmela Pelegrino traz uma narrativa sobre os Orixás, a cura e a pandemia. Oríkì foi dirigido e adaptado pela cineasta, a partir do texto original de Jeaney Calabria, com um curta-metragem de animação que tem 6 minutos e foi feito com desenhos em 2D. A animação traz toda uma poética sobre a morte, a doença e a cura, para valorizar e fortalecer a cosmovisão de Povos Tradicionais de Terreiro no contexto da pandemia. Iku (a morte) circula no mundo inteiro, enquanto os Òrìsàs se unem para encontrar a cura.
Pâmela é professora de Artes da Universidade Federal do Sul da Bahia e começou a dirigir curtas em 2012, o primeiro foi Partir, filme exibido no Canal Brasil, em festivais e premiado pela Orquestra Sinfônica de Berlim, depois Òpárá de Òsùn: quando tudo nasce (2018) e por fim, Oríkì (2020).
Num momento muito importante, onde a representatividade feminina e negra no cinema tem sido discutida e visibilizada, Blogueiras Negras conversou com Pâmela, pra ouvir dela o que significa essa indicação para a Mostra Africana e quais são suas visões de mundo.
Blogueiras Negras: Estamos vivendo um período de muitas mortes, de muitas perdas. Alguns intelectuais como Mbembe tem falado em tempos de Brutalismo. Como você percebe que a nossa visão de Povos Tradicionais de Terreiro pode contribuir para outro pensamento-ação da humanidade?
Pâmela Pelegrino: Os povos e comunidades tradicionais negras e indígenas possuem um modo de vida e filosofia conectados à natureza. Não há culto no candomblé sem a natureza, ela é louvada e não explorada. O ser humano é visto como parte e não como dominador. Toda essa epistemologia contribui para uma sociedade pautada em outros parâmetros de vida. Uma possibilidade de sociedade que nos foi tirada à força, mas que permaneceu viva pela resistência de nossas e nossos ancestrais!
BN: Iku é o nosso destino inevitável. Há quem acredite que o mundo vai acabar e que nós estamos sujeitos a uma destruição inevitável. O que nos diz seu filme? Como ele nos inspira?
PP: Nosso filme apresenta uma perspectiva de fortalecimento em meio a um cenário de muitas incertezas e medos. Apresentar as possibilidades de fé e esperança nos lembra das lutas e resistências de tantos/as ancestrais. O texto que é narrado no filme é uma poesia de Jeaney Calabria que foi adaptado para o filme. A Autora nos conta que, em meio à muita angústia, recebeu essas palavras como um presente de esperança. A música final é de MAROON e nos trouxe a leitura de que “Haverá tempo”. Um tempo que não é de comodismo, mas um Tempo Ancestral que nos faz lembrar toda resistência que nos trouxe até aqui e o porvir que, igualmente, depende da nossa conexão com quem nós somos e de onde viemos.
BN: O ANIMAGE é um festival de muitos anos e que sempre movimentou os realizadores de Recife (cineastas, animadores, designers) e esse ano estará de forma semipresencial no Teatro do Parque. Como é para vocês adentrar esse outro espaço cultural histórico da cidade? O que significa levar para este lugar, neste festival, a sua produção (Oríkì)?
PP: Estamos muito animadas/os com a presença do nosso curta no Festival!!! Nosso filme foi realizado em um projeto de extensão da Universidade Federal do Sul da Bahia em parceria com o Abassá da Deusa Òsùn De Idjemim, e contou com pouquíssimo recurso financeiro para sua realização. Além disso, foi feito de modo totalmente remoto, sem nenhum encontro presencial.
É muito gratificante ver nosso curta em um Festival como o Animage, que é um importantíssimo espaço para exibição e trocas no campo da animação do país. Que nosso curta possa apresentar um pouquinho da epistemologia de povos tradicionais de terreiro e ser força e inspiração para todas/os aqueles que poderão ver um pouquinho da sua fé e modo de vida em nosso curta de animação.
Com essas palavras de esperança e de resistência, as mulheres negras no cinema vão tecendo as narrativas de produção de vida, em meio a um cenário de morte. A possibilidade de vermos as histórias dos povos tradicionais de matriz africana contadas de uma maneira tão delicada é bálsamo e ação para o futuro. A Mostra Africana que traz um recorte da produção de curtas afro-descendentes, teve o olhar e a seleção da curadora convidada Kalor Pacheco, e garante a exibição de tantos outros curta-metragens de animação produzidos e pensados por pessoas afrodescendentes. Orikí vai ser exibido no ANIMAGE 11º Festival Internacional de Animação de Pernambuco em sessões online, que podem ser acessadas a partir do site.