A gordofobia não tem sido um debate da coletividade negra ativista, até mesmo quando se fala em interseccionalidade, pouco espaço se dá para essa questão. Os debates entorno disso estão sobre o controle discursivo da branquitude, aliás, o que não está? E, como é de costume, os discursos se centram em homogeneizar a experiência da pessoa gorda, a ocultar as implicações do racismo cooperando com a gordofobia, e vice-versa.
Mas, “a raça vem primeiro”. Vem sim! E por vim primeiro não anula a existência de outros sistemas de opressão que afetam nossos corpos negros. Pensar interseccionalmente nos obriga a um exercício menos raso de percepção da nossa existência social. O símbolo de empoderamento nunca foi uma mulher negra gorda e cada dia mais o discurso de que corpos gordos são doentes já faz parte da fala de muitas pessoas negras. Todo corpo pode ficar doente, independente do seu tamanho, porque estar doente envolve muitas questões para além do tamanho do corpo.
“Ah, mas a OMS diz que a obesidade é isso e é aquilo…” Houve um tempo que a comunidade médica, estilo OMS, definiu a inferioridade das pessoas negras. “A ciência nunca mente”, claro que não! É um reflexo da cosmovisão social e, por isso, é implicada ideologicamente de preconceitos diversos. Talvez, daqui a alguns anos, os parâmetros se atualizem de acordo com a realidade, até perceberem que essa associação da magreza à saúde mata pessoas gordas e magras.
Recentemente, observei nas redes sociais que quando morre alguma pessoa magra de parada cardíaca sempre aparecem discursos que apontam para o corpo. As pessoas evidenciam o susto pelo fato de uma pessoa magra morrer devido a essa fatalidade. Acredito que deve dar um bug na cabeça das pessoas gordofóbicas diante dessas situações. Conforme aponta a Ellen Valias, “nunca foi sobre saúde”, a gordofobia tem relação com padrões corporais impostos. Eu prefiro usar a expressão violência estética do que pressão estética.
Este ano eu comecei a fazer exercícios visando o condicionamento físico, fortalecer minha musculatura. Antes de frequentar a academia, eu fiz perguntas aos proprietários sobre a possibilidade do meu corpo gordo ser desrespeitado nesse espaço. Obtive uma resposta positiva do estabelecimento, contudo, de alguns dos frequentadores nem tanto. Já ouvi comentários abusando do meu rosto redondo, o qual reagi na mesma hora. Os olhares das pessoas quando eu estou lá, praticando minha atividade física, é como se eu não fosse deste mundo, é desconfortante. Se eu faço um exercício que exige de mim mais desempenho, sempre passa alguém com um “elogio” do tipo “continue firme, que daqui a pouco você estará magra”. Corpos gordos são violentados constantemente nesses espaços e de várias formas.
As implicações da gordofobia, acoplada as outras opressões, merece melhores estudos que considerem a sua complexidade quando pensamos por um olhar interseccional. Ainda, no Brasil, não vi pessoas magras representando pessoas gordas nos eventos, porém, eu vejo pessoas gordas brancas “representando” pessoas gordas negras nessa discussão. Embora compartilhe com muitas mulheres brancas experiências comuns no que tange a gordofobia, é preciso falar da gordofobia racista e do racismo gordofóbico, tais opressões cria contextos específicos de preterimento. Dificilmente, veremos propagandas com modelos plus sizes negras. Quais corpos gordos são visibilizados e por quê? A colonialidade presente na nossa sociedade afeta políticas de visibilidade e fornece o controle discursivo da branquitude na esfera acadêmica, o que faz com essa pauta sempre se apresente nitidamente branca e universal.
Antes que o velho e engenhoso cinismo branco venha aqui argumentar “só porque é branca não se deve invalidar”, expresso que não estou invalidando, é necessária as discussões que já estão feitas e reconheço a potência das intelectuais gordas brancas que as trazem. Provoco-as nesse texto para pensarem sobre a necessidade de usarem o seu privilégio racial para visibilizarem outras vozes que falam sobre a mesma temática. Ser gorda não me impede de ser negra, embora, o brancocentrismo quer me enxergar em “pedaços” identitários”. Ainda não entendi porque mulheres brancas gordas não se compreendem também assim, reconhecendo o corpo em sua dimensão racial.
A intelectualidade branca, em sua maioria, quando estuda opressões acha que isso elimina o seu eixo identitário de privilégio, talvez, seja por isso que cada dia fica mais impossível observar o rompimento com narrativas universais sobre corporeidades e experiências sociais que envolve opressões interseccionais. E, infelizmente, nossa luta negra não progredirá enquanto não reconhecermos que nossos corpos negros precisam ser visto e compreendidos a partir desse lugar de intersecções de identidades. O que adianta questionarmos o universalismo do branco se internalizamos esse mesmo mecanismo para criarmos um “universalismo negro” de experiências.
Eu sou negra, gorda, demissexual, pobre, periferica … minha experiência não é fatiada, o meu lugar de fala é multifacetado. E, pelo fato da raça vir primeiro, o corpo branco nunca vai ser representativo para mim, mesmo quando a pauta que fale também me envolva. Ainda, nem todo corpo negro me “representa”. Aliás, ando cada dia mais acreditando em diversidade (não só em um aspecto identitário, por exemplo, uma mesa de brancos de diferentes tamanhos, sexualidades, gêneros, etc, só é diversidade branca) do que em representatividade.