Eu falo muito da whitelândia e muitos me dizem que eu deveriam centrar nas coisas que envolvem o povo negro, no entanto, como os desbotados, nós não vivemos isolados na sociedade, viver socialmente envolvem interação, que é estabelecida por diversos tipos de relacionamentos. E, infelizmente, eu tenho que estabelecer contato com pessoas brancas, o que causa certo desgaste apenas quanto as mesmas possuem algum poder sobre a minha vida, trabalhista ou acadêmica. Destaco que a colonialidade apodrecida está repleta de larvas brancas que é quase impossível não sentir mal estar.
Já imaginaram que a vida poderia ser mais tranquila se não tivessêmos ao nosso redor um protótipo de sinhá ou sinhô determinando a forma como deveríamos nos comportar? A branquitude possui uma autoestima excelente que acha que sua opinião sobre o que fazemos, tanto da nossa luta coletiva/individual como da nossa vida, diz respeito a ela, como se fosse uma espécie de domínio público. Sempre aparece um enviado do satanás do ocidente para dizer “Você deveria ser menos combativa”, “você sofre com isso, porque você mesmo atrai essas energias (quando eu ouço isso, eu me imagino acordando toda manhã e pedindo ao universo que racistas apareçam na minha frente) , etc. Não estou dizendo que conselhos não são úteis, porém quando vem imbricado de uma concepção de comportamento social etnocentrica, já não é conselho, é docilização do corpo negro.
Agora, sobre nós, pessoas pretas, somos tão violentadas que há momentos que abaixamos, inconscientemente, a guarda e tais discursos de docilização penetram em nós, quando menos esperamos está nos rasgando por dentro, originando questões de várias ordens, inclusive de saúde, principalmente a mental. Ainda, diante de algumas omissões de corpos já docilizados pela ordem social etnocentrica e colonial, duvidamos se estamos fazendo o certo ou não quando nos posicionamos, discursivamente, contra as práticas racistas, já que até pessoas de mesma identidade racial que a nossa naturalizam comportamentos docilizados de viés racista. Quando eu realizei o mestrado, apenas para exemplificar, fui parar em uma cidade que eu não tinha muitos amigos, na faculdade que estudei, vivi vários conflitos, principalmente o de lidar com a arrogância branca de alguns academicistas.
Uma situação que me causou muito ódio, liquefeito em lágrimas, foi quando a minha nota de uma disciplina não foi lançada no sistema da universidade. Então fui buscar o meu arquivo na secretaria, após a correção das professoras, assim como todo aluno era orientado a fazer. Quando eu peguei o meu texto, observei que não havia nenhuma colocação, nenhuma marcação e nem parecia que havia sido manuseado. Na capa desse trabalho havia a nota 10 em 100, não me surpreendi, mas me senti impotente e saindo da faculdade encontrei com o meu orientador, o terceiro que tive em 2 anos. Há quem diga que é porque eu sou um ser humano difícil e essa narrativa é fácil de ser sustentada quando quem diz tem o poder de dizer, pois ser professora(or) universitária(o) envolve certo poderzinho, não é mesmo?
O meu terceiro orientador era uma pessoa bacana, quando assumiu a minha orientação, eu lidava com as sequelas deixadas por orientações anteriores, as quais eram permeadas de mais julgamentos (não existe democracia racial quando o negócio é julgar, saibam disso) do que diálogos, talvez houvesse um certo medo em lidar com uma pessoa como eu, insubmissa e que não sabia bajular. Ah, o currículo lattes podia ter uma aba direcionada a essa prática acadêmica, pois fornece mais prestígio que o exercício crítico de pesquisar.
Perdoem esses devaneios, ou podem chamar de “coisas da minha cabeça”, apesar que digo que sim, elas estão na minha cabeça em formas de traumas o qual a terapia há de me ajudar. Na ocasião, ao encontrar com o meu terceiro orientador, falei sobre o ocorrido, o mesmo como coordenador da Pós- graduação, tomou algumas providências, milagrosas eu diria, que não demorou nem uma semana para que o 10 se transformasse em 90. Eu tive a sorte do coordenador ter resolvido a situação, mas até hoje eu não sei o que eu precisaria melhorar naquele texto, se eu cumpri ou não o que era esperado da disciplina. De todas as disciplinas que eu havia cursado, a da situação, foi a única que havia tido esse problema, assim como eu, as professoras brancas também estudavam literatura negro-brasileira, embora elas preferissem o termo mais suave, o de literatura afro-brasileira.
O racismo é uma revolver com silenciador cuja mira está sempre apontada para o nosso Ori. Outro exemplo, foi na graduação, em que alguns professores praticavam a docilizavam corpos através de reprovações ou notas baixas sem justificativas, o critério subjetivo de avaliação se camuflava como objetivo. Eu tive uma professora, muito temível – eu, graduanda, não abaixava cabeça nem para santo branco, pois nunca fui de rezar – que gostava que seus alunos aderissem suas ideias sem questionamentos, por mais lógicos que alguns pudessem ser, eu questionava, minha nota foi mínima, isso porque eu jurei que eu iria ser mil vezes pior de questionamento se eu repetisse a disciplina. A professora agia assim com todos os alunos, mas não era indiscriminadamente, se o aluno era preto, o negócio era mais violento. Aliás, é muito gozado como que no primeiro caso, como nesse segundo, eu tive minha formação acadêmica prejudicada, com isso pude ver, que o epistemicídio, para além do apagamento/silenciamento de intelectuais negros/as, também é o boicote institucionalizado na formação de pessoas negras, primordialmente, as declaramente ativistas.
Apesar de tudo, eu sou mestra na área que eu mais amo, a literatura, e uma próxima etapa é necessária, o doutorado, para ela venho expurgando de mim todas as frustrações, medos e raiva resultantes do racismo acadêmico. Há pesquisadores/as desbotados/as que contribuem positivamente com a minha formação, que até se dizem antirracista, porém não levanta a voz para se posicionar contra a prática racista dos coleguinhas. Sem ressentimentos! Se eu rezasse, rezaria por eles/elas! Na minha defesa de mestrado, outro momento caótico, devido ao comportamento-capitão do mato, o meu sorriso rasgou o estereótipo de “preta raivosa” das pré-leituras feita sobre mim, acreditem se quiser, uma mulher branca, de mais de 60 anos, que nem tinha Isabel no nome, deixou o dia menos pior e, apesar da brancura, não foi quem me boicotou. Não se preocupem, não envio uma caixa de cookies todo natal para ela, apenas sou grata, jamais submissa.