Texto publicado originalmente em blog da jornalista inglesa Reni Eddo-Lodge.
Eu não estou mais debatendo com gente branca sobre raça. Não todas as pessoas brancas, apenas a vasta maioria que se recusa a aceitar a legitimidade do racismo estrutural e seus sintomas. Eu não posso mais ser lançada ao abismo de desconexão emocional que as pessoas brancas exibem quando uma pessoa de cor articula sua experiência. Você pode ver os olhos delas desligando e endurecendo. É como se tivessem derramado melaço em suas orelhas, bloqueando seus canais auditivos. É como se eles não pudessem mais nos ouvir.
Essa desconexão emocional é a conclusão de se viver uma vida indiferente ao fato de que a cor de suas peles é a norma e todas as outras se desviam dela. Na melhor das hipóteses, os brancos foram ensinados a não mencionar que as pessoas de cor são “diferentes” – pois isso pode nos ofender. Eles realmente acreditam que suas experiências de vida, resultantes de sua cor de pele, podem e devem ser universais. Eu simplesmente não consigo lidar com o ar de perplexidade e defesa que eles tomam enquanto tentam lidar com o fato de que nem todos experimentam o mundo da maneira que eles o fazem. Eles nunca tiveram que pensar sobre o que significa ser branco, em termos de poder, então toda vez que eles são vagamente lembrados disso, interpretam como uma afronta. Seus olhos se reviram de tédio ou se arregalam de indignação. Suas bocas começam a se contorcer enquanto eles vão assumindo a defensiva. Suas gargantas se abrem enquanto tentam interromper, ansiosos para falar – mas não para ouvir realmente – porque eles precisam que você saiba que “você entendeu errado”.
A jornada pelo entendimento do racismo estrutural ainda demanda às pessoas de cor que priorizem os sentimentos brancos. Mesmo que eles possam te escutar, eles não estão realmente ouvindo. É como se algo acontecesse com as palavras enquanto elas deixam nossas bocas e alcançam seus ouvidos. As palavras atingem uma barreira de negação e não conseguem ir mais distante.
É a desconexão emocional. Isso não é realmente espantoso, já que eles nunca souberam o que significa abraçar uma pessoa de cor como um igual, com pensamentos e sentimentos que valessem tanto quanto os deles. Assistindo “The Color of Fear”, de Lee Mun Wah, eu vi pessoas de cor desmoronarem em lágrimas enquanto lutavam para convencer um homem branco desafiador de que ele, com suas palavras, estava impondo e perpetuando um padrão racista branco sobre as pessoas de cor. Durante todo o tempo, ele as encarava alheio, completamente confuso com essa dor – na melhor das hipóteses, trivializando-a, e, na pior das hipóteses, ridicularizando-a.
Eu já escrevi antes sobre essa negação branca ser a política de raça onipresente, que opera em sua inerente invisibilidade. Então, eu não posso mais falar com gente branca sobre raça, por causa das consequentes negações, das piruetas desajeitadas e das acrobacias mentais que elas exibem quando isso é trazido à sua atenção. Quem realmente quer ser alertado para um sistema estrutural que os beneficia em detrimento de outros?
Eu não posso mais ter essa conversa, porque geralmente estamos chegando a ela vindo de lugares completamente diferentes. Eu não consigo conversar com eles sobre os detalhes de um problema se eles nem sequer reconhecem que o problema existe. Pior ainda é a pessoa branca que pode estar disposta a considerar a possibilidade do dito racismo existir, mas que pensa que entramos nesta conversa como iguais. Não, nós não fazemos isso.
Sem mencionar que entrar em conversa com gente branca que está a fim de me desafiar é uma tarefa francamente perigosa para mim. À medida que o incômodo aumenta e o adversário se empolga, eu tenho que pisar com um cuidado incrível, porque se eu expressar frustração, raiva ou exasperação ante sua recusa em entender, eles vão explorar seus rótulos racistas pré-concebidos sobre negras irritadas que são uma ameaça para eles e sua segurança. É muito provável que eles me pintem como opressiva ou agressora. Também é provável que seus amigos brancos se juntem a eles, reescrevendo a história e tornando as mentiras verdade. Tentar envolver-se com eles e administrar seu racismo não vale a pena.
Em meio a todas as conversas sobre Gente Branca Legal se sentindo silenciada por conversas sobre raça, há uma espécie de ironia e gritante falta de compreensão ou empatia para aquelas de nós que fomos visivelmente marcadas como diferentes por toda a nossa vida, e vivemos as conseqüências disso. É realmente um vida inteira de autocensura que as pessoas de cor são obrigadas a viver. As opções são: falar a sua verdade e enfrentar a represália, ou morder sua língua e tocar a vida. Deve ser uma vida estranha, sempre tendo que pedir permissão para falar e se sentir indignado quando você finalmente é convidado a ouvir. Isso decorre do direito que as pessoas brancas têm de nunca serem questionadas, imagino.
Eu não posso continuar a me esgotar emocionalmente tentando conseguir com que uma mensagem seja transmitida, ao mesmo tempo em que também lido com uma linha muito precária, que tenta não implicar nenhuma pessoa branca em seu papel de perpetuar o racismo estrutural, para que elas não me matem.
Então, eu não estou mais falando com gente branca sobre raça. Eu não tenho um enorme quantidade de poder para mudar a maneira como o mundo funciona, mas eu posso definir limites. Eu posso impedir o direito que elas sentem que têm em relação a mim – e vou começar com isso interrompendo a conversa. A balança está de longe pendendo em favor delas. Sua intenção muitas vezes não tem nada a ver com ouvir ou aprender, mas com exercer seu poder, provar que estou errada, me esgotar emocionalmente e estabilizar o status quo. Eu não estou falando com gente branca sobre raça a não ser que seja absolutamente necessário. Se houver algo como um evento midiático ou uma apresentação numa conferência que significa que alguém pode ouvir o que estou dizendo e se sentir menos sozinha, então eu vou participar. Mas eu não estou mais lidando com gente que não quer me ouvir, que quer me ridicularizar e – francamente – que não me merece.
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Esse texto foi publicado originalmente em 2014 como um post no blog da jornalista inglesa Reni Eddo-Lodge. Em 2017 ela lançou um livro com o mesmo título, ainda sem tradução para o português. Em seu prefácio, ela justifica sua decisão pelo uso do termo “pessoas de cor”, que nós escolhemos respeitar. Essa tradução foi feita pelo Coletivo Cabelaço – PE, sob os cuidados de Gabriela Monteiro e Joana Melo.