bell hooks num domingo é como trazer o sol para um dia de chuva. Minha neblina não é a do personagem Riobaldo de Guimarães Rosa. Vai muito além das angústias “platônicas” de sua paixão por Diadorim.
A neblina, aqui, em minha mente, é semelhante ao céu de Ponciá [da Conceição Evaristo] quando se avista o arco-íris. No próprio tempo da alquimia celestial das transmutações.
Como é potente as transformações do afeto.
Há uma geração preta sendo convocada a romper uma genealogia sedimentada no amor romântico. A deslocar uma hereditariedade baseada na busca ideal do relacionamento.
Não se trata de uma patrulha da anti monogamia – isso seria muito tacanho para a magnitude do arranha-céu que intelectuais pretas vêm propondo nos últimos tempos sobre longevidade e bem viver. Eis os prenúncios de possibilidades insurgentes de amar.
É feito “Amor e depois de amor” do caribenho negro Derek Walcott: “vai amar o estranho que um dia você foi… sirva-se da vida”. Ou, o samba de Dona Ivone Lara quando compôs “Canto do meu viver” (é o amor, a pedra mais valiosa/ essa emoção que faz o mundo se agitar).
São tantas narrativas de bem querer, tantas possibilidades insurgentes de amar. E ainda há de haver mais: “… podemos nos encarar frente a frente no interior desse amor rigoroso e começar a falar o impossível – ou que sempre pareceu impossível – umas paras as outras [Audre Lorde apud bell hooks, in: irmãs do inhame]
Para mim, todas essas referências só se tornam reais quando tento materializar em mim e nas minhas relações de afetos. É assumir os riscos. Da coragem necessária de acolher as vulnerabilidades das estações amorosas. Mas que lhe desafiam a perceber as manifestações de amorosidade em outras geografias afetivas e simbólicas, onde demarcam a existência insurgente de viver o amor nas miudezas ordinárias do dia-a-dia. Sem a necessidade de atribuir a uma ÚNICA pessoa a responsabilidade da sua felicidade. Essa lógica é tão impositiva como é a organização social do sistema capitalista, que hierarquiza de modo desigual e combinado as relações subjetivas.
bell hooks (2023) nos questiona sobre as mentiras acionadas para garantir certas relações, criando uma zona de conforto nos desconfortos emocionais de insatisfação no relacionamento. Às vezes, “é solitário estar sozinho num dueto” (MARQUES, 2019, p.12). Honrar a verdade consigo é ser genuína com seu sentir: “a cura acontece dentro de nós quando falamos a verdade da nossa vida”.
Que possamos construir alicerces firmes de nós mesmos e saber esperar as flores, sacralizando a potência dos nossos afetos “para ver as rosas” (TAVARES, 2019, p.174). “É preciso resgatar e aprender a aceitar a sua condição divina”.
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Referências:
DEREK, Walcott. Omeros. tradução e prefácio Paulo Vizioli. 2. ed. — São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
HOOKS, Bell. Irmãs do inhame [livro eletrônico]: mulheres negras e autorrecuperação. Tradução floresta, 1ª edição, São Paulo: WMF Martins Fontes, 2023.
MARQUES, Ana Martins. Poema não de amor. In: CULT Antologia Poética| CULT – Revista Brasileira de Cultura, novembro de 2019. Ano 1, Nº 02, São Paulo-SP.
TAVARES, Ana Paula. Carta a Francisco. In: _____. Um rio preso nas mãos. São Paulo: Kapulana, 2019.