Esse não é um texto acadêmico sobre a educação e seus problemas, é um relato referente ao que observo enquanto professora da rede pública dentro das salas de professores, nas reuniões pedagógicas, nos cursos de formação e até mesmo, nos conselhos de classe.
No mestrado, minha pesquisa surgiu a partir do desconforto percebido em colegas e administradores das escolas em relação aos jovens professores de sociologia que adentravam no campo educacional. Sendo um espaço tão diverso, com múltiplos sujeitos, como pensar que pudesse haver antagonismo em relação a colegas de profissão?
Olhar a escola e seus agentes me fez perceber outras formas e práticas preconceituosas que, muitas vezes, me fizeram ter vontade de desistir de lecionar. Não conseguia compreender como pessoas formadas para trabalhar com crianças, adolescentes e adultos dos mais diferentes tipos, origens e formação familiar pudessem reproduzir formas de violência simbólica de maneira tão naturalizada.
Sofri muito durante a pesquisa, pois ao entrevistar diretores, pedagogas e professores das diversas disciplinas, era comum entre eles negar qualquer forma de preconceito, mas ao observar as reuniões e conversas no coletivo, percebi que entre o discurso e a prática, existe um abismo quase intransponível.
Manter a distância entre meu objeto de pesquisa e minhas percepções de mundo de forma que isso não interferisse na escrita não foi das coisas mais simples, afinal era um confronto diário entre perceber o preconceito sendo destilado e buscar entender o porquê daquilo acontecer num espaço que deveria se pautar pela inclusão.
Quando falo “preconceito” estou me referindo a diversas formas de violência simbólica contra o outro sujeito componente do mesmo espaço, nesse caso, a escola. Dessa forma, mantendo o foco da minha pesquisa no seu devido lugar, minha fala aqui se remete aquilo que vi e vejo atuando como professora de escola pública.
Muito se fala da violência na escola, no bullying, algumas considerações acerca do racismo e homofobia, mas sinto necessidade de mais escritos sobre a ação dos professores em relação a isso. Tanto como repressores quanto reprodutores de violência. Dizer que nós professores precisamos repensar nossas práticas, num país que não valoriza nossa categoria é bem problemático, mas é necessário.
Vivemos num país violento, que pune o diferente, que castiga quem não se encaixa nos padrões desejáveis e a escola, por não ter como se desvincular da realidade social que a cerca, não fica imune a essas reproduções. Então como pensar os professores dentro desse contexto?
Ao ver e ouvir educadores sendo homofóbicos, machistas, racistas, gordofóbicos e, algumas vezes, compactuar com a violência física por achar “necessário o uso da força para impor disciplina” me deixa indignada e impelida ao debate. O que antes me parecia um mal que me tiraria do espaço escolar, hoje me faz ficar para tentar combater.
Já me remeti a vários contextos para tentar entender o que leva professores da educação básica a serem opressores, penso que os mais antigos, além de lidar com uma formação particular dentro do formato da tradicional família brasileira, ainda sofrem com o ranço da educação formal adequada aos ditames dos militares. Ou seja, temos muitos professores atuando nas escolas que ainda carregam todo um ideal de escola absorvido no período da ditadura.
Fora isso, temos que lidar com a moral religiosa cristã, que molda os sujeitos dentro dos seus dogmas de perfeição moral, mas me parece que não ensina que o mais importante é respeitar o outro, afinal temos o direito ao livre arbítrio, não? Não estou falando em fazer orações numa escola pública que devia se pautar pela laicidade (que já é um absurdo), me refiro ao absurdo de tentar mudar todo e qualquer sujeito que não se enquadra no padrão desejável de comportamento.
Como mudar esse quadro? Não é uma tarefa fácil, afinal é de caráter de formação social e profissional. Nesse sentido, mesmo já tendo se ampliado uma gama de disciplinas obrigatórias nos cursos de licenciatura, a resistência e desconforto para o ensino de determinados conteúdos, mostra como profissionais ainda saem mal formados das universidades.
Não conseguiremos banir o preconceito nas escolas, enquanto ele vigorar no espaço acadêmico que prepara os professores para atuar na educação básica. A formação preconceituosa na vida social pode ser alterada com o ensino formal, mas se sujeitos que promovem tal educação são preparados de forma equivocada, isso se torna um círculo vicioso de reprodução infinita.
Por mais militantes que sejamos, não conseguiremos quebrar tabus, nem desconstruir preconceitos que foram moldados em dois grandes espaços de socialização e formação dos sujeitos. Se não temos como sair por aí remodelando a educação familiar e religiosa de todos os professores, urge que a universidade deixe de ser um espaço opressor e reprodutor de ideologias marcadamente violentas.
O preconceito que vigora no espaço acadêmico surte efeitos nocivos de diferentes proporções. A princípio acreditava que pessoas, assim como eu, que sofreram com racismo ou outras formas de violência no espaço educacional na sua formação, tenderiam a ir para seu mundo profissional combativas, mas percebi que nem sempre isso ocorre.
Existe uma vingança particular contra o espaço no qual foi oprimido, um revanchismo que reproduz de forma naturalizada atos que pareciam abomináveis quando o problema era particular, individual. Munem-se da hierarquia de poder/saber, para justificar e banalizar práticas raivosas que destilam violência contra a vítima da vez.
Preconceito e violência na escola básica é um tema que ultrapassa a questão policial, todos os envolvidos precisam repensar qual sua parcela de culpa. Nós professores não estamos isentos da responsabilidade, as universidades como instituições formadoras precisam evoluir, ir além do formato que lhe deu origem. Os sujeitos sociais mudam, a sociedade é dinâmica, mas nossa educação institucional continua nos moldes do séc. XIX, até quando?