Quando comecei minha trajetória na universidade pública, eu tinha 18 anos e era parda. Foi naquele espaço que pela primeira vez alguém falou comigo assim: “Tudo bom, preta?” Espantada, eu olhei para os lados e me perguntei internamente: É comigo que essa mulher está falando? Preta eu?
Respondi educadamente porque não poderia deixá-la falando sozinha. Mas, depois dela vieram outras e outros e eu comecei a gostar daquilo. Todos os dias era um “boa tarde, preta!”, “Vamos, preta” e o questionamento voltava: preta eu?
Comecei a sentir sede. Eu precisava ler sobre essa temática. E todas as rodas de conversa possíveis que pudesse ir eu estava lá. Todos eventos de literatura negra, debate sobre gênero e raça, discussões em sala ou na mesa da cantina, eu estava lá. Eu ouvia atenta e minha cabeça fervilhava: Preta eu?
Nunca tinha me enxergado daquela forma. Por 18 anos eu fui parda, morena, bronzeada mas… preta? Eu? Preta nunca havia passado na minha cabeça.
Comecei a refletir sobre o porquê de ter demorado tanto para me descobri enquanto mulher negra e, aos poucos, comecei a perceber como a sociedade tende a negar a nossa negritude diariamente. E quando comecei a afirmar minha identidade tentavam a todo instante frear o meu processo: “Mas, você não é negra!”, “Negra é tipo Iza, Ludmilla…. você não”, “Você não é tão negra assim!”, “Vc tem certeza?”, “Mas no IBGE tem pardo…”
Nesse meio tempo, parei de relaxar o cabelo para “soltar os cachos”, comecei a reafirmar minha identidade com acessórios, mas também com conhecimento. Virei a problemática da família, a que “vê racismo em tudo” e a que faz parte da “geração chata”, passei a frequentar lugares onde eu conseguia perceber que minha história não era única.
Fui em um evento e pela primeira vez me senti livre. Peguei o microfone, falei, me senti segura e voltei mais forte. Na minha cabeça, ecoavam as falas de Vilma Reis, Carla Akotirene, Tia Má, Valdecir Nascimento e as tantas mulheres, que com suas representações impecáveis, me fortaleceram na (re)construção de minha identidade. Lembrei de todos os vídeos de Nataly Neri e Gabi de Pretas que vi no Youtube, dos debates que acompanhei no twitter e dos eventos que passei a acompanhar, e nesses locais eu não estava sozinha. Me reconhecia em cada mulher preta que chegava.
Hoje tem gente que me olha e diz: “E ai, morena?”. Eu olho, respiro beeeeem fundo, e digo: Aí você me quebra. Eu sou preta!