Por Charô Nunes, Larissa Santiago, Maria Rita Casagrande, Verônica Rocha e Zaíra Pires para as Blogueiras Negras
Existem ocasiões em que o racismo, dito cordial, deixa de sê-lo. Perde a compostura, a invisibilidade e se mostra em toda sua crueza. Abandona seu status de coisa anônima praticada por terceiros, ganha um rosto e uma assinatura. Não é mais uma estatística que diz respeito apenas aos outros. Acontece toda vez que uma negra ocupa lugar considerado inadequado. Para Dolores Valandro, ex- conselheira municipal da Liga Norte em Pádua, Cécile Kyenge deveria ser estuprada. Já a jornalista Micheline Borges fez questão de salientar que as médicas cubanas se pareciam com empregadas domésticas (uma categoria profissional cuja abolição não foi de todo proclamada, nos alerta Creuza Oliveira).
Esse racismo, praticado à luz do dia, gosta de se imaginar como um Leão da Neméia. No caso das redes sociais, ele é um conjunto de avatares diante dos quais muitos preferem se calar, acreditando que a besta não pode ser vencida. Não por concordar com a desumanização que nos é dirigida, mas pela exata ciência do quê está envolvido – ir para os “finalmentes” demanda tempo, dinheiro e sobretudo disposição. Porque tentarão nos massacrar moralmente, seremos chamadas de oportunistas se falarmos em processo (como se isso fosse uma espécie de passatempo divertido e barato). Nos acusarão de querermos notoriedade como se a condição de vítima de discriminação ou injúria racial fosse desejável.
Agora imagine, por um momento, o rugido dos racistas no seu ouvido por um ano. Para eles você não é mais um na multidão. Esse é o cotidiano de Thiago Ribeiro desde que decidiu combater o tratamente dispensado aos negros no programa Agora é Tarde e fazer valer a lei federal nº7.716/1989 que tipifica a crime de ódio praticado em televisão aberta. Além dos ataques à sua pessoa, há ainda algo de muito mais podre no reino da Dinamarca – as tentativas de Danilo Gentilli em manipular a opinião pública através de uma interpretação tendenciosa do que seria crime de racismo e injúria racial e a de comprar o silêncio da vítima, primeiro através da oferta de bananas e depois de quinze minutos de fama. Seu empresário chega até mesmo a lançar mão do nome da assistente de palco Juliana Oliveira para argumentar que o “comediante” não é racista numa troca de emails.
Obviamente há intimidação envolvida – “não sei, sinceramente, se você tem consciência do que é um processo, do que tudo isso implica e todos os riscos, custos, tempo, disponibilidade, etc. vc acusa o Danilo de racista, mas sabe que acusação também é crime?” E quando você acha que já acabou, o produtor executivo Italo Gusso ataca Ribeiro (e a todos nós) em sua honra e inteligência – “se quer processo, se está irredutível, ok, Thiago. Seguimos nisso. O que acho mesmo, é que pessoas de bem e inteligentes são capazes de se resolver numa conversa.” Para o racista, um negro que não se curva contra o racismo não pode ser outra coisa que não burro e uma pessoa sem caráter.
Daí as inúmeras injúrias raciais que tem recebido e que levaríamos meses para reproduzir integralmente. Ali o racismo anda de mãos dadas com a homofobia também flagrante, não é protegido pelo anonimato, muito menos pela impossibilidade de ser provado legalmente. Não é mais assuntos dos supremacistas mais óbvios. É praticado pelo amigo, primo, irmã, melhor amigo, colega de trabalho, aluno, professor e filho. No caso de famosos, por uma plêiade de fanáticos que tentam defender o indefensável, o ídolo racista. Felizmente, cada manifestação racistas dessas pessoas que se julgam acima da lei e que gravitam em torno de Danilo Gentilli tem sido paciente e diligentemente registradas. Uma a uma.
Nesse caso se aplica uma famosa máxima, só que de um jeito bom – eles não sabem com quem estão mexendo. Sozinho, Thiago Ribeiro conseguiu que tantos racistas deixassem o anonimato que dá até gosto de se ver num país que não reconhece seus privilégios e desigualdades. Ele fez o convite – “Este espaço é destinado a Racistas. Entre, fique à vontade e tire sua máscara! Você não está sozinho!” e muitos atenderam prontamente. É o espetáculo do racismo desvelado, avatar por avatar. Pensaram que iriam calar a vítima com seu rugido. Ledo engano. Apenas demonstraram sua fragilidade diante Oxaguian, esse que habita os corpos daqueles acostumados desde sempre a matar um leão por dia.
Força Thiago Ribeiro, sua luta é de todas nós.