Pedimos em primeiro lugar a benção a todos nesse dia que fala à ancestralidade, em solidariedade ao povo de santo. O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa foi instituído pela lei 11.635 em 27 de dezembro de 2007, em lembrança de Mãe Gilda do Ilê Axé Abassá de Ogum em Salvador, vítima de violência por ser uma mulher de terreiro.
Passados mais de uma década, o panorama segue desafiador: o Supremo Tribunal Eleitoral julga a ação de constitucionalidade do sacrifício no dia 28 de março e as estatísticas permanecem escandalosas – a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Bahia (Sepromi), informa um aumento de 124% nos crimes de intolerância religiosa no estado em 2017 e 2018 e um crescimento de 2.250% desde 2012.
Mas porque tanto ódio? O que nas casas de santo provoca tamanha violência? Não se trata apenas de não tolerar, tem a ver com o sexismo contra nossas mulheres, o encarceramento em massa da população negra, o preconceito de origem, de classe, o fanatismo religioso, a violência contra a população lgbt, em especial a transfobia, que também contribuem para o genocídio dos povos negros e indígenas em sua ancestralidade.
O Racismo Religioso é tudo isso e muito mais. É o discurso que mata e a violência que fere em toda a sua institucionalidade nos âmbitos público e no privado, nas leis e nas conversas entre vizinhos. Tem como objetivo o extermínio da ancestralidade, fazendo parte de um sistema complexo e dinâmico de ideias, narrativas e ações contra tudo que é coisa de preto, ganhando novos contornos dentro e fora das redes sociais com repercussões cada dia mais assustadoras.
Um discurso que mata
No final do ano passado, uma estrela se fez no céu quando Mãe Stella de Oxóssi, atendeu o chamado do rei numa quinta-feira. A notícia sentida no Brasil e no mundo, atraiu discursos de ódio impressionantes por sua quantidade e teor. De todas as violências à memória da ialorixá, uma se destacou na ultidão quando uma mulher contrária à inauguração da Avenida Mãe Stella de Oxóssi escreveu no instagram:
“Absurdo colocar o nome de uma avenida o nome dessa macumbeira (sic). Em vez de procurar a Deus, vai procurar fazer macumba para o mal dos outros”, disse Taiane Fragoso, evidenciando a lógica de extermínio que o racismo religioso carrega e que justifica além de tornar tornar aceitáveis os ataques aos terreiros e seus frequentadores. DIzer que adoramos o diabo nada mais é que uma desculpa esdrúxula para nos matar até mesmo como lembrança e narrativa.
A violência que fere em toda a sua institucionalidade
Dois casos chamaram a atenção na Bahia desde o final do ano passado por mostrar claramente a intenção de varrer da face da terra tudo aquilo que é coisa de preto. Mais ataques no bairro das Cajazeiras à Pedra de Xangô com mais de 100 quilos de sal e ao Terreiro Ilê Axé Ojisé Olodumare, localizado em Barra do Pojuca, na cidade de Camaçari, região metropolitana de Salvador.
“Xangô é um orixá do fogo, é quente. O sal é frio. Está evidente a agressão. Ademais, ficou confirmada, com tal atitude, a forma desrespeitosa com que alguns segmentos tratam a religião afro-brasileira. Grave, lamentável, repugnante é mais essa agressão à Pedra de Xangô“, comenta a advogada Maria Alice Pereira, responsável pela petição entregue ao Ministério Público da Bahia e uma das idealizadoras do portal oficial do monumento religioso.
O Babalorixá Rychelmy Imbiriba, zelador do Ilê Axé Ojisé Olodumare denuncia que homens encapuzados e armados invadiram a casa durante uma cerimônia para Oxalá que reunia 150 pessoas: “Teve todo um processo de xingamento, daí você percebe que não era só um assalto, mas um ódio da religiosidade, desse processo todo de axé, que a gente carrega. Foi um momento de terror, a gente não está preparado para uma situação dessa.”
Revistaram quem assistia e participava do culto, sempre armados, procurando celulares e tentando roubar os carros que estavam estacionados no local além de sacodir quem estava em transe espiritual. A todo tempo gritando que aquelas pessoas “não deveriam estar ali, adoradores do diabo” e deixando sua intenção bem clara a sua intenção de “acabar com esse monte de macumbeiro”.
O antropólogo Fábio Lima, que é ogã do Ilê Axé Opó Afonjá e doutor em Estudos Étnicos e Africanos afirma que o racismo religioso também se manifesta institucionalmente quando a lei federal 10.639/2003 não é aplicada: “A escola tem que ensinar que essas religiões são memórias corporificadas. Quando você educa as pessoas para conviver com a diversidade, elas crescem respeitando. É preciso que o estado tome um posicionamento.”
A lógica do amor
Diante de um cenário que ameaça, que prevaleçam o direito de culto e a liberdade religiosa.
Que possamos celebrar aquilo que se faz nos terreiros e que se materializam no abraço de cada orixá, na palavra das mães e pais de santo pelo Brasil afora. Que todos os filhos de santo tenham a oportunidade de expressar sua fé sem constrangimentos de toda a sorte apenas por usarem suas contas e roupas brancas, nada mais é que um direito constitucional básico num estado verdadeiramente democrático de direito.
REFERÊNCIAS
Casos de intolerância religiosa aumentam 2.250% nos últimos 6 anos na Bahia. https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/casos-de-intolerancia-religiosa-aumentam-2250-nos-ultimos-6-anos-na-bahia/
Ilê Axé Opô Afonjá denuncia ao MP mais um ataque a Mãe Stella de Oxóssi. https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/ile-axe-opo-afonja-denuncia-ao-mp-mais-um-ataque-a-mae-stella-de-oxossi/
Ministério Público vai ser chamado para intervir em agressão à Pedra de Xangô. https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/ministerio-publico-vai-ser-chamado-para-intervir-em-agressao-a-pedra-de-xango/
Terreiro de candomblé na BA é invadido por homens armados e pai de santo é agredido com coronhada no rosto. https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2019/01/13/terreiro-de-candomble-na-ba-e-invadido-por-homens-armados-e-pai-de-santo-denuncia-intolerancia-religiosa.ghtml
Invasão a terreiro durante festa é a primeira na Bahia, dizem pesquisadores. https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/invasao-a-terreiro-durante-festa-e-a-primeira-na-bahia-dizem-pesquisadores/
Abate de suínos no 3º trimestre atinge recorde, diz IBGE. https://revistagloborural.globo.com/Noticias/Criacao/Suinos/noticia/2018/12/globo-rural-abate-de-suinos-no-3o-trimestre-atinge-recorde-diz-ibge.html
IBGE: Abate de bovinos cresce 3,6% no 3º trimestre. https://agroemdia.com.br/2018/11/13/ibge-abate-de-bovinos-cresce-36-no-3o-trimestre/
Panfletos apócrifos: a prática da intolerância religiosa no segundo turno da eleição de 2010 na Paraíba. http://www.periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/ci/article/view/21844
“Racismo religioso tem origem na escravidão”, aponta pesquisa maranhense premiada pela Fapema. https://oimparcial.com.br/cultura/2018/12/racismo-religioso-tem-origem-na-escravidao-aponta-pesquisa-maranhense-premiada-pela-fapema/
No Brasil, 14% da população se declara vegetariana, segundo pesquisa do IBOPE Inteligência conduzida em abril de 2018. https://www.vegetarianos.com.br/ibope-vegetarianos-brasil
Pedra de Xangô, portal. http://www.pedradexango.com.br
Imagem destacada: Meio Norte