O racismo velado e os privilégios não reconhecidos

Por Mayara Nicolau para as Blogueiras Negras

Na nossa sociedade deve ser difícil encontrar alguém que se declare racista, talvez homofóbico, machista, mas racista não, racismo não existe no Brasil. Afinal, somos um lindo país resultado da mistura de povos e raças diversas e todos sabem conviver e respeitar essas diferenças.

Pena que a vida não seja esse arco-íris descrito aí em cima né… o que eu vejo, na verdade, é um Brasil extremamente racista e mentiroso. Esse racismo velado que temos que encarar todos os dias talvez seja tão ruim quanto um racismo explícito, pois ambos agridem da mesma maneira. Eu tenho certeza de que todo negrx já percebeu olhares ou comentários em voz baixa quando entra (ou tenta entrar) em determinados ambientes ou frequenta determinados lugares. Em alguns casos, nem são precisos olhares e comentários, mas paira no ar a sensação de que você não pertence àquele lugar, que você é tipo um E.T.

Alguns podem dizer que a solução para o racismo está na educação, porém as escolas e as universidades são um meio social que vive uma batalha tentando dar conta de um buraco que não será preenchido somente com aulas de literatura africana ou folclore. A mudança no currículo é urgente e muito necessária, porém não vai ser um dia falando sobre Zumbi que vai ensinar as crianças a respeitar x negrx. Esse problema só vai ser solucionado quando os brancos reconhecerem seus privilégios e juntxs transformarmos a sociedade.

Que privilégios? Ter a sua cultura, história e literatura ensinada desde sempre na escola me parece um privilégio; privilégio este que cria uma visão unilateral do mundo nos alunos. Isso faz com que, naturalmente, as crianças brancas e negras pensem que as posições de poder são pros brancos mesmo, afinal foi assim ao longo de toda a história.

Entrar numa loja em um shopping, por exemplo, e não ser julgadx pela vendedora simplesmente pela cor da sua pele ou pelo seu cabelo. Isso pra mim é um privilégio imenso! Porque eu já deixei diversas vezes de entrar em determinados ambientes por medo e vergonha.

Até a gente chegar ao nível de se questionar sobre isso e ver que o errado não sou eu, quem tem que ter vergonha não sou eu.. enfim… torço muito para que todxs negros e negras consigam entender isso de uma vez por todas e ocupem todos os espaços que puderem e quiserem.

Ocupem o meio acadêmico, ocupem as lojas do shopping, ocupem os cargos altos, ocupem posições de liderança. Sem medo, sem vergonha e com o cabelo do jeito que você bem entender!

Essa ocupação é uma luta que nós precisamos continuar (porque ela já acontece na nossa sociedade) que demonstra mais um privilégio dos brancos, que nunca precisaram provar sua inteligência ou capacidade para ocupar cargos como a presidência da república entre outros.

No meu meio de trabalho (a universidade), são raros xs professores negrxs e entre os alunos de doutorado a situação é a mesma, posso contar nos dedos. Ou seja, se já é difícil para x negrx concluir o ensino básico e entrar na faculdade, imagina se tornar professor universitário. Temos aqui mais um privilégio dos brancos.

Recebi um e-mail de uma leitora aqui do blog comentando sobre meu texto anterior. Ela reforçou esse meu pensamento de que precisamos não só ocupar as posições, mas também nos orgulhar muito de ter alcançado. A leitora trabalha em uma UTI neonatal e me disse que é a única profissional negra com ensino superior por lá.

Eu imagino que, assim como a universidade, uma UTI neonatal precise de muitos profissionais para funcionar bem. Isso se estende a vários outros contextos, certamente. As novelas brasileiras servem de exemplo. Não é possível que em um universo com mais de 50 pessoas só uma delas seja negra em se tratando de Brasil, ou isso não corresponde à realidade (novelas) ou tem algo de muito errado na história (caso dos meios profissionais).

E o que tem de errado na história é uma enorme parcela da população não se achar digna ou capaz de estar em certas posições e outra parte da população continuar achando que está tudo bem no Brasil, que não existe preconceito racial nenhum, que isso é coisa do passado, que xs negrxs só não chegam “lá” porque não querem ou não se esforçam tanto quanto os brancos.

Texto surgiu inspirado pelo texto da Lola (Reconheça seus privilégios para poder mudar o mundo – 30/09).

7 comments
  1. é preciso estar sempre atento, se policiar o tempo todo, rebater pensamentos e reações quase automáticas, fazer um trabalho interno constante. mas vamos que vamos!

  2. até que alguma coisa aconteceu, nao sei quando, nem por que , e eu comecei a me incomodar com meu racismo. mas e muito dificil desconstruir anos e anos de racismo e ler este blog ajuda muito!

  3. e por que leio o blog? para deixar de ser. por que sou racista desde criancinha. desde que me entendo por gente, por que fui criada em uma sociedade (familia, amigos, colegio, midia) racista e achava que tudo bem ser assim.

  4. Quando entrei na faculdade, no primeiro período, tive logo de cara uma professora negra. Pra mim, fundamental, pois com ela aprendi que aquele era sim meu lugar. Ela contava com orgulho sua história de onde tinha saído e onde havia chegado. Ela é filha de faxineira e seu destino seria provavelmente igual ou parecido com o da mãe. A mãe fez uma promessa de que se a filha conseguisse estudar se tornaria rainha de Congado. Hoje a minha professora é pós-doutora e convidada a dar aulas em universidades nos EUA.
    No primeiro dia de aula ela se apresentou e contou seu vastíssimo currículo. Muitos de meus colegas a acharam exibida. Diziam que não havia necessidade de ficar por aí contando onde ela tinha feito pós doutorado e blábláblá. Eu já achava incrível que ela tivesse conseguido mudar sua realidade e hoje fosse uma rainha de Congado linda e inspiradora!
    É importante que a gente destaque as pessoas negras de sucesso, que ocupam espaços antes negados. Muitos dizem que isso reforça o racismo. Eu penso o contrário. Penso que isso escancara o racismo e por isso incomoda tanto.

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Ao ler os comentários sobre o episódio dessa chamada de brasileiras para casamentos com gringos através do site do Huck, só consigo pensar em como nós brasileiras ainda somos vistas no nosso próprio país: mercadorias com bundas do tamanho P, M e G. Não sou macaca, minha bunda não é internacional, Brasil não é cartão postal de bundas e a mulher brasileira não esta à venda!