Sentada no escritório da minha casa enquanto trabalho, vejo livros de Neusa Santos Souza, Malcom X, Alice Walker e Lázaro Ramos. Quando o olhar sobe mais um pouco, o letreiro vermelho com letras pretas embaça as vistas, tomando minha memória para dez anos atrás. Está escrito “Marcha das Mulheres Negras 2015”.
Escrevo às vésperas do 21 de março. Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, a data que lembra o massacre de Shaperville, na África do Sul, lá na década de 60. Em 2013 foi quando as Blogueiras Negras descobriram a potência das mulheres negras na internet, através de sua Blogagem Coletiva 21 de março.
E pensar que essa data também seria marcada pelo dia de combate à intolerância religiosa no Brasil. Isso me faz perguntar: quem de nós desacredita no poder da mobilização? Há quem diga e especule do alto de suas elucubrações brancas de beira de bar que nosso povo é apático, manipulável.
As conquistas e resultados que temos hoje são fruto de ações como esta, que ilustram a estante da minha casa. Mas que não foram feitas pra enfeite: são memórias vivas nos corpos e nos espaços de articulação política, em falas e eventos realizados, em formações e bancos de escola, em praças e redes sociais.
Há 10 anos atrás muitas de nós, cada uma no seu território, se movia freneticamente, e criava comitês, rifas, shows para consolidar um momento histórico. Conversas regionais, trocas locais, lives e outras maneiras de viabilizar aquele processo. Movidas pelo sentimento de justiça, de necessidade de propor uma nova visão de mundo e de provocar um olhar atento ao que as mulheres negras constroem desde sempre neste país.
Às vésperas do dia 21 de março de 2025 assisto a menina negra na escola e sinto que preciso garantir – por ela e pra ela – um lugar em que seus olhos possam continuar brilhando, em que a sua família negra possa seguir existindo e sendo feliz de maneira plena, onde o bem viver seja mais que um conceito.
2025 será novamente marcado pelas Mulheres Negras, dessa vez numa mobilização internacional, em que o projeto será compartilhado globalmente, e as experiências de reparação serão visibilizadas. Diante de um cenário nefasto, onde a extrema-direita se apresenta ainda mais ativa, com os discursos de ódio sendo elevados a status de liberdade de expressão e a emergência climática estampada na nossa cara e casa, não há outra saída.
O único caminho possível é Marchar. Igual a Luther King Jr, na Marcha sobre Washington; tal qual a Primavera Árabe e exatamente como as Marchas “I can’t breath”.
Marchar como um processo, como um meio, não um fim. Como o caminho que se faz caminhando, construindo as propostas, negociando entre nós e radicalizando contra eles.
Às vésperas do 21 de março nos organizamos para o lançamento global da Marcha de Mulheres Negras 2025. Às vésperas deste dia, retomo a leitura de A dívida impagável, de Denise Ferreira da Silva citando Fanon (Condenados da Terra) “Foi necessário mais de um nativo dizer ‘Basta’; mais do que uma revolta campesina ser esmagada, mais do que um protesto ser dizimado antes que pudéssemos, hoje, nos manter firme na nossa vitória. Nós, que decidimos por quebrar a espinha dorsal do colonialismo, nossa missão histórica é sancionar todas as revoltas, todos os atos desesperados, todas as tentativas abortadas, afogadas em rios de sangue”.
Marchar por reparação e bem viver é o único caminho possível.