Na vida é assim, as vezes a coisa fica preta, mas diferente da forma que me disseram, isso não é ruim. Pode
ser muito lindo, um bom sinal, que espaços sociais estão sendo ocupados por quem também é dono deles,
pode indicar que, nem que seja pelo grito, pretas e pretos podem sim, e podem mesmo!
Por que essa necessidade de escrever sobre etnia e cor de pele, sobre minha vida? Porque é sempre
importante falar do que tem sido negado socialmente em nosso país. Para reafirmar, que no dia a dia o
preconceito está ai mesmo, mutilando subjetividades e autoestimas, fazendo crianças crescerem sem se
aceitar, vendo o “belo” somente no outro oposto de si, como o que a mídia dita, no que a marketing vende.
Que preta teve a sorte de não passar por isso? Comentem no fim do texto, suas experiências… Vamos dividir
sem comparar.
As minhas vivências sobre ser mulher negra, foram e têm sido marcadas por tentativas de sustentar a hierarquia
racial que vivemos: “Tem que alisar o cabelo”; “Seu nariz é feio igual ao do seu pai”; por mais que você se
arrume, esse cabelo nunca te deixa arrumada”.
Aí, a menina “moreninha” cresceu, venceu diversas dificuldades, como quase todas as pretas, conseguiu-
graduar-se em psicologia, mas havia uma questão: “Você não tem cara de psicóloga, tem cara de lavadeira de
prato”; “Você não parece psicóloga, com esse cabelo black, rindo alto desse jeito”; “Você não pode gritar, se
estressar, precisa entender as pessoas”.
Estas são falas que sinalizam, o contexto social que herdamos e temos vivido na atualidade, em um país que
surgiu, marcado pela dominação de classes e etnias, numa atitude extrativista insustentável, machista, com
base no estupro, imposição religiosa, entre outras questões, que inclusive, estão vivas e se renovando a cada
dia.
A violência que nos toca diariamente, tem apresentado outras expressões, como a violência simbólica,
superficialmente definida pelo francês Pierre Bourdieu, como a que é exercida pelo corpo sem coação física,
em que causa danos morais e psicológicos. Esta tem sido utilizada para legitimar o racismo, e a bagagem
história que temos carregado nesses 517 anos de Brasil.
Nos livros, jornais, na mídia, as elites, que pouco são tocadas pelo preconceito racial e classista, pelas mazelas
sociais, insistem em dizer que “No Brasil não existe preconceito”; que “Políticas públicas de reparação de danos,
causados pelos 300 anos de escravidão, são desnecessárias”; que “Preconceito é estabelecer cotas raciais” ;
que ”Somos todos iguais ” dizem ainda que “Só não vence quem não luta, quem não se esforça porque as
oportunidades são dadas a todos de forma igual”… dizem tanta coisa sem sentir na pele, sem ouvir e sem olhar
o mundo, como alguém que só pela sua cor e seus traços, já é considerado marginal, incompetente, bandido.
Dizem também que existe “cabelo bom e cabelo ruim”; que “preto é sujo”; associam a cor preta tudo que for
negativo; ditam que o príncipe é loiro, alto, magro, dos olhos azuis. Pintam a Bela Adormecida de cor branca, a chapeuzinho, e a Alice do país das maravilhas, incentivando as pequeninas que sejam, e desejem ser como
elas: vivendo no mundo ideal, imaginário, e não acordemos para serem transformadoras de realidades. Que
não despertem para falar de nossa insatisfação quanto ao lugar quem temos sidos colocadas, e mostrarmos
nossas habilidades, nos apossando do que também é nosso.
A minorias sociais exercem a violência simbólica, através de seus discursos pautados na meritocracia, e a
inexistência de hierarquias raciais e de classes. Logo, discurso que não dão conta da historicidade que envolve
os problemas estruturais do preconceito racial e dos impactos que estes causam no exercícios de direitos
básicos assegurados na constituição de 1988, que deveriam estar disponíveis a todos os cidadãos Brasileiros.
E é isso que desejo fomentar ao redigir estas palavras, aclarar consciências, despertar desejo de ser uma preta
que se aceita e que sabe que ser preta, é ser linda, que beleza tem a ver com bem estar, e não com o que
dizem nos outdoors, com tendências ditadas, que sugam o fruto do nosso trabalho, que ainda tem sido
socialmente desvalorizado.
Gente! Falem para as pretinhas que estão por aí que “Cabelo duro, cabelo ruim” não existem; que ser preto
não é ser ruim; que gato preto não dá azar, que o belo não precisa ser o que está na moda, o que o
eurocentrismo valoriza. Ser lindo é saber respeitar-se e inspirar respeito. Ser linda, bela, gostosa, leve, são
universos que cabem outros universos e outros universo em si.
Não precisamos ceder aos apelos impositivos, de valorizar um único povo, assumir seus valores como nossos.
Precisamos mesmo, é exercer nossa condição de pretas empoderadas, que caminham rumo a conquista de
sua satisfação, numa sociedade que determinados grupos sociais, precisam sair do lugar do outro, devolvendo
aos coleguinhas “pretxs” e o que é delxs, já que há espaços para todos, os quais têm sido mal administrados.
Todos estes fenômenos, por incrível que pareça, despertam em mim, uma sensação de felicidade, pois mesmo
frente a estas barreiras, aos convites constantes ao desafio, há em mim uma consciência que tenho me tornado
uma profissional que busca fazer o melhor em sua atuação, que permite ser transformada e transformar vidas,
que não nega o contexto que vive, mas também atua de modo a transforma-lo positivamente, por acreditar que
é possível, no mínimo, minimizar as desigualdades reais que vivemos, que aprendeu a estar confortável em
sua cor de pele, que não consegue sendo outra coisa, que não seja, uma preta feliz, que não se anula nem
limita por causa de sua etnia.
Sempre acredito que que as pretas podem sim, que querem, lutam e conquistam.