Afeto anticolonial não se conquista,
não é prêmio 1,2 e 3.
Se cultiva feito a terra,
com mãos sem
luvas.
(Bárbara Kariri, 2024, p.17)
Crescem as cercas imaginárias da busca pelo relacionamento perfeito, as idealizações
do par romântico que há de chegar para preencher todos os sentidos. O contrato nupcial como
garantia da estabilidade financeira, a checklist das condutas de um casal, as selfies publicadas
para engajar a certeza da escolha certa.
Para quem está distante dessa bolha idealizada do amor romântico, os julgamentos
penosos de um destino infeliz são lançados sutilmente nas pessoas que não mais se contentam
com os padrões [consumidos] de felicidade amorosa.
Ou você é o que a sua relação transmite ou você será rotulado pela rotatividade das suas
experiências sexuais-afetivas. Esta última, muito mais apontada pelo estereótipo da pessoa
que “não ama ninguém” em comparação à “traumatizada”.
Mas, afinal, o que é o amor para você?
De algum modo, acreditamos que a melhor compreensão de estar vivendo o amor fosse
através da dor. “O amor só é bom se doer” — disse o poeta Vinícius de Moraes e até hoje a
gente canta na prática essa afirmação. Ora, se nos nortearmos por esta perspectiva, qualquer
cultivo de relação amorosa onde o sofrimento inexiste seria um motivo de dúvida sobre a
presença desse sentimento?
Delegar o sofrimento como critério de uma boa relação, de uma jornada amorosa nas
quais as dificuldades — e até mesmo as variadas manifestações de violência — são
naturalizadas, corrobora na ideia utópica do amor romântico. De uma idealização
inalcançável de viver o amor.
Se guiar por essas referências dolorosas de provas de amor pode levar ao
desconhecimento de outras relações saudáveis de amorosidade. Desconhecer quando uma
relação lhe faz bem pela simples percepção do coração tranquilo, sereno, que mantém você
em você mesma.
Nesse (des)conhecimento de experiências amorosas saudáveis que cada vez mais se faz
necessário falar dele. Descrever as suas vivências como sementes lançadas em solos
dispostos a retomar a possibilidade de viver outras amorosidades. Perceber que as
manifestações de amor acontecem nas distrações, nos detalhes, na ação, na presença.
Há várias tentativas de vivenciar as experiências amorosas para além do que já
conhecemos dentro desse modelo monogâmico. Poucas delas são validadas pelas instituições
sociais, ou, até mesmo, levadas com seriedade e comprometimento individual e coletivo.
Mesmo com a escassez de oportunidades de falar sobre outras relações possíveis de
amor, qualquer linguagem dessas ações amorosas já é um pouquinho de saúde afetiva.
Estímulos diários para acreditar na retomada do verbo amar e reflorestar nossa subjetividade
com adubos afetivos de experiências reais, sentidas e mais libertas da idealização do amor
romântico.
Recriando experiências onde a posse, o controle e o sofrimento não sejam as
percepções camufladas de demonstração de cuidado. Mas, sim, a liberdade do desejo como
pedagogia da escuta e de proposições flexíveis de experimentar as relações sem a moralidade
da culpa ou do julgamento de suas ações.
A recompor terrenos férteis de germinação de práticas amorosas que estabelecem trocas
justas e saudáveis de equilíbrio mental e afetivo entre os vínculos estabelecidos a partir da
perspectiva do ciclo, cuja temporalidade se marca pela duração da vontade mútua e de sua
finitude natural do começo do fim.
O amor também pode ser começo, meio e recomeço.
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Referência bibliográfica
KARIRI, Bárbara Matias. Poesia da Terra. São Paulo: editora Feminas: Margarida, 2024.
Edição: Wellington Silva
Imagem: Helida Costa