Já não é de hoje que venho nutrindo a vontade de me expressar a respeito do comportamento da nossa gente negra na web… a tal vida social em rede. Até que recebi um convite e empaquei. Vê se pode?! Este preâmbulo, por exemplo, fiz e refiz diversas vezes assustada com o nome de “artigo”, coisa em que não me enquadro. Definições e rótulos me incomodam e, se há alguma para mim, estou mais para “escrevivências” como bem diz, e o faz muito bem, nossa Mestra Conceição Evaristo. E é sobre a NOSSA relação com a oralidade ancestral africana , seus tambores e ecos. As postagens, curtidas e compartilhamentos… Essa rede de trocas de informações e afeto, que eu quero falar!
Mamãe não gosta de internet. Diz que “isso vicia”. Acha esquisita as fotos instantâneas que vão parar “nesse tal de feicibuque” e que num piscar de olhos todo mundo sabe da vida de todo mundo! Foto era coisa pra quem podia e servia pra eternizar momentos muito importantes e que era até gostosa aquele agonia de esperar “pra revelar”. Mamãe também não entende certas postagens que anunciam o que ainda estar por vir , avisando que em certos momentos, o segredo vale ouro! Ela sempre lembra dos “velhos tempos”. Esses do valor da palavra dita, compromisso velado sem cartório. Ela também, na sua sapiência ancestral, não me faz esquecer do poder da palavra; esse da cura, o que exalta e difama, o que forma e informa, e, neste caso, ela, a palavra, uma vez dita ou escrita não volta atrás jamais! Na certa, aprendeu com minha avó Cecília, filha de uma preta escravizada com índio e nascida numa fazenda de Feira de Santana, na Bahia.
Coloco minha mãe nessa roda(ou nessa rede) pra mostrar o elo dessa herança que me move. O fato é que mamãe gostando ou não, a web está aí pra resignificar as mensagens dos velhos tambores, fumaças e, sobretudo, trazer à tona a missão dos nossos mais velhos, guardiões do conhecimento e que legaram à palavra o seu poder divino! No entanto, que fique enegrecido aqui neste ponto, o meu máximo respeito a nossa cultura ancestral que nos ensinou a força da coletividade e a importância do segredo no sagrado, na tentativa de traçar um paralelo e ilustrar essa conexão virtual X vida real.
Segundo o site Olhar Digital, atualmente, o Facebook é a maior rede social utilizada pelos brasileiros, com cerca de 89milhões de usuários! Com o seu cardápio tecnológico, estimula quase que diariamente, uma vida virtual onde as pessoas teclam cada vez mais e falam entre si cada vez menos. Mamãe não faz ideia do resultado dessa pesquisa, mas fala com propriedade da sua implicância com a internet e segue reclamando da ausência dos cartões de felicitações de aniversário e Natal que desapareceram da caixa de correios. Até de cobranças online e mensagens pelo celular ela reclama(com toda razão)! “Onde já se viu, eu eu lá tenho email?! Eu hein?!”
Fiquei triste com o sepultamento do finado ORKUT, no último dia 30 de setembro, sem um gurufin digno da sua existência. Assisti, impotente, a um corre-corre de neguinho e neguinha salvando seus arquivos de fotos que lá estavam num “cyberarquivo”, digamos assim. Cheguei a comentar com mamãe que perdi o prazo, que não tinha dado tempo de resgatar todas as fotos que, aliás, eram lembranças de momentos em família, inclusive. Naquele instante, me dei conta da minha incompetência ao ser guardiã daquelas memórias que se perderam. Se estivessem organizadas nos álbuns, igualzinho aos de mamãe, a esta hora, não lamentaria: “Coisa mais estranha ver foto no computador! Cabô aquele prazer de folhear o álbum , rodeada das crianças e contando as histórias de cada um… e olha, hein?! Pode acontecer o mesmo com esse tal de feicibuque qualquer hora dessas!” E pode mesmo! Noutro dia tive até um pesadelo com isso, que eu tinha perdido minha conta de email que abri há 15 anos. Não gosto nem de lembrar daquela sensação devastadora de ter parte da minha história desaparecida num espaço sideral.
Tempos esses em que o sucesso é medido em milhões de curtidas e compartilhamentos de mensagens, dá pra tirar experiências positivas como a mobilização virtual do caso “Vinicius Romão” (jovem estudante de Psicologia que foi preso ao ser “confundido” com um ladrão); o caso “Cláudia Ferreira” (mulher negra, moradora de uma comunidade de Madureira/RJ, morta por policiais e arrastada pelas ruas do bairro pendurada na caçamba do “camburão”) – Ainda se fala camburão, gente?
A reeleição da Presidenta Dilma é um outro caso bem sucedido de mobilização das redes sociais (Mamãe “garrou um ódio” da Globo e sua campanha difamatória contra a Dilma e contra o povo!) e o que falar dos “rolezinhos”, hein?! Até hoje vejo “especialistas” tentando analisar este fenômeno de mobilização que levou milhares de jovens da periferia a vários shoppings do país, obrigando os racistas “a mostrarem a suas caras e as unhas de fora!” (Mais uma pérola de mamãe!)
Sobre essa tal vida social em rede, nas redes, possuo também, um vasto material com um recorte voltado pro campo afetivo e sexual, fruto de uma pesquisa de campo, que me submeti com enorme prazer (E que mamãe não pode saber!). Prometo que contarei, em breve. Agora, eu quero mesmo, pra quem ainda não conhece, convidá-los a todas e todos para um mergulho de informações e troca de saberes aos coletivos virtuais BLOGUEIRAS NEGRAS, MENINAS BLACK POWER, PRETA&GORDA, PRETAS CANDANGAS, COMUNICADORAS NEGRAS, MAMATERRA, AQUI EU ME VEJO, CULTNE, MERCADO DI PRETA, LATINIDADES AFROLATINAS e MOVIMENTO&MÍDIA. Só peço que me contem depois, viu?
Há quem diga que no dia do juízo final, vai passar num telão de LED, com imagens em high definition , todas as conversas, fotos e vídeos do Whatsapp!! Deus na sua infinita competência, não vai deixar barato… e você que acreditou que era passado aquelas conversas no Black Chat da Revista Raça, MSN, salas de Bate-papo da Uol e Badoo madrugada a fora, com a internet discada, acho bom mesmo é se unir e preparar um grande flash mob! Deus permita que mamãe não veja essas cenas nesse bendito telão e desejo o mesmo pra todo mundo que me prestigiou até o ponto final.
Imagem destacada: Black Girls Can Code