Série Contos Blogueiras Negras
Hoje amanheci com uma rosa e um bilhete aos pés da cama: “Parabéns pelo seu dia. Te amo. Ass: Antônio”. Despertei num sorriso atrasado e fui deixar a menina na creche. Antes botei uma pétala em sua mamadeira, não deu tempo de ir comprar pão. Logo segui viagem, carregando-a na flor. Uma flor pode ser útil.
Cheguei atrasada na casa da dona Angélica. Já tinha uma pilha de louças na pia e pratos quebrados pela sala. Não questionei. Peguei minha flor, botei sabão e me apressei para lavar os pratos e recolher os cacos. Não dava nem dez da manhã, o sol já ardia. Dona Angélica pediu para acompanha-la até o supermercado. Fiz logo abrir a rosa pra fazer sombra à patroa, que não gosta do sol da manhã.
Achei engaçado: hoje a cidade toda parecia um jardim.
Retornamos para a casa da patroa. Ela não gosta que eu ligue alto o rádio, diz que não é boa influência para as suas crianças, mas hoje nem podia reparar, pois brigava com seu Marcos, o marido. Ele ou grita muito ou só finge que seus filhos e sua mulher não existem. Passa o dia no escritório.
Tapei meus ouvidos e os dos filhos da dona Angélica com algumas pétalas da minha flor e segui na lida. Saí mais tarde do que de costume do trabalho, com a flor no bolso da camisa pra dar sorte. Procuro evitar, mas tive que ir pelo beco da rua 8 de Março pra cortar caminho, lá é muito perigoso, mas não posso deixar a Eunice muito tempo sozinha com o Antônio, ele não cuida direito. Ia descendo sozinha e depressa, quando despontou no outro extremo do beco um homem. Baixei a cabeça, apertei a bolsa contra o corpo. Passando ao meu lado com um olhar gordo, disse: “oi, florzinha. me deixa sentir teu cheiro”. Arranquei amedrontada, porém ele foi mais rápido. Rasgou minha camisa e os botões da calça. Tapou minha boca com a rosa e enfiou o pênis na minha vagina com violência. Depois de despejar suas sujeiras em mim, se limpou com a minha flor e a jogou no meu rosto.
Mais cedo no rádio eu tinha escutado que quando isso acontece a gente pode ir na Delegacia da mulher. Não havia nenhuma por perto, mas decidi ir à delegacia 8, comum. Caminhei lentamente, meu corpo estava muito machucado. Chegando lá, reconheci o seu Alexandre, que tinha feito a prisão do filho da minha irmã Telma há uma semana. Ele não gostava da gente porque achava que, na família, éramos todos bandidos ou prostitutas. Quando relatei o ocorrido, ele não deu importância. Escreveu umas coisas num papel e pediu que eu assinasse, disse que o b.o. estava feito. Molhei o cabo da rosa num bocadinho de tinta que estava na mesa e assinei rapidamente. A Eunice precisava comer.
Era quase madrugada e eu não havia dado notícias sobre o porquê da demora. Antônio estava no bar em frente de casa, perguntei se tinha dado comida pra Eunice. Ele disse que se eu quisesse que a menina comesse que eu deixasse a comida pronta ou chegasse antes pra fazer. Discutimos no bar e, chegando em casa, ele me bateu muito.
-Mulher minha não discute! Onde você tava até essa hora?
Não tive tempo de explicar. Antônio lançou a garrafa que tinha na mão em minha perna, que sangrou muito. Os cacos se espalharam pela sala. A briga já durava demais e eu não queria que Eunice acordasse. Apanhei calada. Quando ele cansasse, parava. Assim aconteceu. Depois foi dormir.
Eu chorava baixinho, mas lembrei que amanhã precisava chegar cedo no trabalho. Mais uma vez, minha rosa não me deixava na mão: com ela recolhi os vidros e limpei as poças de sangue.
Antes de tirar ao menos um cochilo até amanhecer, sequei meu rosto com a última pétala que sobrara da rosa.