Comecei a assistir “Dear white people”, no Netlflix, que estreiou no Brasil no último dia 28/04. Desde que saiu o anúncio dessa série imaginei que precisaria de estômago para assistir, e que provavelmente ficaria mal por algumas horas, ou dias. E é o que está acontecendo. Está tudo ali: os estereótipos a que estamos sujeitas, a solidão da mulher negra, o desencaixe no mundo universitário, as pressões estéticas, as acusações de racismo reverso, o ‘sofrimento’ dos brancos quando eles se sentem “peixes fora d´agua” por um dia, passando o que nós passamos a vida toda. E se reconhecer nisso é uma mistura de “nossa, que alívio, eu não sou louca” com “que mundo escroto do caramba”.
Tem mais ou menos um ano, um ano e meio, que estou passando por um processo de “enxergar racismo onde ele sempre esteve”. Talvez para os brancos isso não faça muito sentido, mas para as pretas que foram, por anos, as únicas “pretas do rolê”, sim. Por que não somos apenas hipersexualizadas, como é mais comum que as mulheres brancas saibam, mas temos nossa postura e nosso local de estar no mundo sempre vigiado, qualificado, hierarquizado. “Por que você gosta de jazz?” “Tá pagando caro pra viajar de avião, hein”, “Essa preta metida só assiste filme cult”. “Por que vc usa esse cabelo baixinho! Eu adoro preta de cabelão”. “Você fica chata quando estuda demais, quando você dança é mais divertida”. Eu não lia essas falas como racistas. Hoje sim, sei que por trás disso tem uma liberdade e uma pretensão de que qualquer um, eu disse qualquer um, se sente no direito de dizer onde eu posso estar, o que eu posso gostar, como eu devo me vestir e com quem devo me relacionar. E me via respondendo a todas essas perguntas com uma explicação, e não com um belo e sonoro “Vá a merda”.
Voltando ao tal processo, fico feliz que não estou passando por ele sozinha. Algumas amigas, em especial as amigas brancas, tem passado por isso comigo. E o caminho tem sido bem bonito. Por que não é só a prática real da tal falada empatia ou “sororidade”, mas é um processo de reconhecimento de privilégios, que culmina num amor, sincero mesmo e o estabelecimento de um novo olhar sobre o mundo, para ambas, brancas e pretas. É preciso dizer: amigas brancas, vocês são privilegiadas apenas por terem nascido brancas! Apenas. Faz algum sentido? Nenhum. Você já parou pra pensar em tudo que você passou, ou não passou, só por ser branca?
Outro dia, uma amiga em SP, branca, acompanhada por outra amiga branca, (loira de olhos azuis) foram pegas pela polícia pichando Fora Temer na rua. Segundo ela, os policiais foram assustadoramente educados. (ps. Rafael Braga está preso até hoje). Ela, conhecendo o que é truculência policial disse: Eu sei que isso só aconteceu comigo e com minha amiga loirinha por que somos brancas e com cara de burguesas! Então, quem tem que dar a cara pra bater, pixar a rua e ir protestar somos nós, por que a gente sabe que o pior não acontece com a gente. Não sei se minha amiga percebeu o quanto foi importante pra mim ter ouvido isso. “Dear white people”, não finjam que nossa luta não é também de vocês. Quem sabe assim a gente consegue dar um passinho, bem pequeno, para essa famigerada “sororidade”.