Por Djamila Ribeiro para as Blogueiras Negras
O corpo da mulher negra não é dela. Essa á sensação que carrego desde muito cedo. A ultrassexualização de nossos corpos faz com que interpretem nossa imagem baseada na exotização. “Nós carregamos a marca” é uma frase muito dita por Luiza Bairros e que exemplifica bem nossa situação. Essa marca que carregamos fruto de violência é mascarada pelo mito da democracia racial, o que faz com que se ignore ou romantize o problema. Ou melhor, a marca nem é vista como problema, é vista como elogio, exaltação da beleza. Porém, essa marca existe e nos segue para além das terras tupiniquins. A exotização da mulher negra está presente em todos os lugares, ainda mais se aliado ao fato da nacionalidade brasileira. De modo geral, as brasileiras são estereotipadas como sendo excessivamente sensuais.
Um exemplo dos estigmas que estão colocados sobre os corpos das mulheres negras é o caso de Vênus Hotentote. Seu nome original é Sarah Baartman, nascida em 1789 na região da África do Sul, no início do século XIX foi levada para a europa e exposta em espetáculos públicos, circenses e científicos, devido aos seus traços corporais. Segundo Damasceno (2008), Sarah Baartman deu um corpo à teoria racista. Não importa aonde vamos, a marca é carregada. Numa viagem que fiz à Argentina, em setembro último, fortaleceu -se ainda mais essa noção. Assim que cheguei em Buenos Aires, percebi os olhares. Em La Plata, cidade aonde fui para um congresso, quando saía, pessoas vinham pegar nos meus cabelos (uso tranças compridas de kanekalon), abordavam-me ao acaso, me tocavam. Eu era a Vênus Hotentote num espetáculo público. “Ah, mas isso acontece porque você é bonita”, dizem alguns. Essa situação ainda é vista por esse viés do elogio racista. Como ser humano, tenho o direito de andar na rua sem ser incomodada, sem que pessoas desconhecidas me toquem ou mexam no meu cabelo. Tratam o nosso corpo como se fosse público.
Esse caça à “mulatas” promovido pela rede Globo para eleger a nova “Globeleza”, percebe-se como a mulher negra é colocada em lugares determinados, como é vista como objeto sexual, produto a ser vendido. Quantas negras vemos na grade da emissora? Quantas apresentadoras, reportéres, atrizes? Somos invisibilizadas em outras aréas e super expostas no carnaval como pedaços de carne. Mulheres brancas também são objetificadas; isso é inegável. Porém, a mulher negra carrega a opressão histórica. Mesmo nesse mercado de exploração, a carne negra é a mais barata. Para se ter uma idéia, de toda a história da revista “Playboy” no Brasil, somente sete negras foram capas. Nos filmes pornográficos, são minorias e atuam em trabalhos bem específicos ou relacionados ao carnaval ou ainda para “amante de negras”. Nas propagandas de cerveja, nos quais mulheres são objetificadas, raramente há negras. Até nesse mercado exploratório, o lugar ainda é inferior. E fora dele, a situação não é diferente. Não estou, de forma alguma, concordando com a objetificação dos corpos dessas mulheres, e sim, elucidando como até nesse mercado, a mulher negra é discriminada e relegada a papéis específicos.
Um dia numa discussão, quando reclamei que não havia paquitas negras, um rapaz disse: “e qual o problema disso? Eles têm o direito de colocar quem quiserem”. A naturalização do racismo é tanta, que algumas pessoas, não acham nada demais nós não sermos representadas, num país de 51% de população negra. Mas, para além de sermos representadas, temos que problematizar o MODO que estamos sendo; se esse modo somente reafirma nossa estigmatização.
E, quando reclamamos, nos chamam de ressentidas, rancorosas, pessoas que só reclamam. Porém, denunciar é preciso. Não podemos aceitar essa pretensa valorização que nada mais é do que a reafirmação do racismo. A exotização exacerbada do corpo da mulher negra, construída historicamente a partir da experiência colonial, precisa ser duramente combatida. A naturalização dessa violência precisa ser enfrentada.