Por Gabriela Pires para as Blogueiras Negras
Certo dia, ao procurar nomes de profissionais ligados às áreas de artes e design para indicar como referência visual em um texto, parti daquela primeira pesquisa mental que comumente fazemos antes de lançar mão dos salvadores serviços de busca na internet. E qual foi minha surpresa por terem surgido apenas um ou dois nomes na minha cabeça? Por alguns instantes pensei que este lapso teria sido apenas uma dificuldade individual, mas ao fazer o teste e tentar me lembrar de profissionais brancos, não tive nem de perto a mesma barreira mental. Então comecei a me questionar, onde estamos nós: artistas visuais e designers negros do Brasil?
A minha pesquisa por referências visuais, até um tempo atrás nunca foi relacionada diretamente a etnia do artista/designer, mas sim pelas características de seu trabalho ou mais ainda pelo grau de divulgação de seu trabalho. Geralmente mantenho-me atualizada, e acredito que a maioria dos designers o faça dessa maneira, por meio de sites, páginas e grupos em redes sociais relacionados. A atualização constante destes meios tem a vantagem de gerar uma grande rotatividade de referências visuais e consequentemente uma maior possibilidade de divulgação de trabalhos de profissionais iniciantes ou em ascensão. Deste modo, tendo a acreditar que os trabalhos de artistas e designers negros não chegam até mim ou ao grande público por não terem seu trabalho divulgado massivamente.
Porém o problema não se inicia aí, mas sim nas dificuldades encontradas no caminho de quem decide trabalhar com arte e correlatos no Brasil. É senso comum que sempre que alguém demonstra a vontade de viver de arte é abordado com interrogações a respeito do seu “sucesso” e do seu futuro financeiro, o que para muitas pessoas é o primeiro tijolo a ser colocado no alto muro que servirá de barreira nesse caminho. Infelizmente, de um modo geral, os artistas brasileiros têm condições sócio-econômicas privilegiadas ou tem empregos paralelos para sustentar sua arte. Ouso afirmar que o segundo grupo é o mais comum e o menor valorizado (e muitas vezes de maior riqueza poética e estética). Para o negro da periferia manter-se ativo no exercício das artes, em que os materiais de qualidade têm, invariavelmente, um custo alto, procurar um meio de remuneração paralelo é quase regra.
(…) sinto que o universo da arte, todavia é para a elite. Agora me diga, tendo que trabalhar o dia todo para se sustentar, em que momento você faz arte? Vejo as pessoas que se formaram comigo, alguns estão estudando fora do Brasil, outros estão viajando, mas a maioria estão sendo sustentados por seus pais que são brancos e de classe média, e a mesma coisa ocorreu com seus pais. Sempre me questionei sobre isso, é muito fácil quando se tem dinheiro, é muito simples fazer arte quando a sua necessidade maior é escolher entre comer em um restaurante ou pedir uma pizza, não se preocupar dia após dia em sobreviver. Mas isso não me desanima, ao contrário me fortalece me faz querer ser ainda mais incrível.
Tati Bafo, atriz e performer
Somado as barreiras econômicas deve-se atentar ao ensino de arte precário desde a pré-escola. A insistência em manter como foco uma visão eurocêntrica da História da Arte e praticamente ignorar nossas raízes indígenas e africanas (sendo muitas vezes demonizadas nas escolas por fundamentalistas religiosos) não faz o menor sentido. Na universidade isso não muda muito de figura: para ilustrar essa deficiência posso citar que somente neste ano de 2013 foi aberta a primeira pós-graduação em história da arte não européia no Brasil, na Unicamp. Ao mesmo tempo em que isso me traz uma profunda alegria, não consigo deixar de me indignar com o fato de que esta possibilidade somente nos chegou agora, um tanto atrasada, por assim dizer. Pensar no desenvolvimento artístico da humanidade como um todo é imprescindível, porém basear o ensino de arte de um país com maioria declarada negra, nas visões de um povo que tem características quase totalmente distintas das nossas parece-me uma inversão de prioridades.
(…) me sinto bem desenhando personagens ligados a umbanda (preto velho, caboclo, pomba gira), alguns desenhos de líderes como Mandela, e me interesso bastante por pintura rupestre o que tem muitas referências na África.
Gustavo Barros da Rocha, estudante de engenharia florestal e artista plástico
Esta inversão se mostra em praticamente todas as esferas da nossa sociedade. O negro, sobretudo o que reside nas periferias, é sempre invisibilizado quando está fora do círculo do que a sociedade rotula como “coisas de preto”. Se ele não está nas rodas de samba, no carnaval ou atuando como empregada doméstica na novela, ele está fora do seu lugar.
É certo que há destaque de negros em modalidades de arte de rua, como o grafite e o “pixo”, por exemplo. E apesar de, pessoalmente, acreditar que o grafite está de certa maneira sendo apropriado pelas elites, saindo das ruas e indo para dentro das galerias, não posso deixar de pontuar a importância que ele tem para a cultura negra e periférica. Ambos têm um caráter contestador como poucas manifestações artísticas, tanto do ponto de vista estético, quanto do poético-expressivo e mais ainda do social. O “pixo”, para muitos não possui caráter artístico (ponto este que não colocarei aqui em discussão), porém para o jovem negro e pobre é inegável seu papel na quebra dos padrões sociais tradicionais. É uma maneira de se auto afirmar, de legitimar sua identidade, de apropriar-se daquilo que devia ser seu por direito, mas que a sociedade lhe usurpou.
Enfim, o meio artístico como um todo se mostra um lugar bastante hostil para o negro. Além de enfrentar as dificuldades comuns a todos os artistas, temos que enfrentar as dificuldades comuns aos nascidos pretos. Assim como em todas as esferas da sociedade, temos que praticamente tomar nossos lugares de direito à força, indo contra a corrente. Desejar trabalhar com artes é tentar apagar a linha do círculo étnico e sócio-econômico que a sociedade desenhou a nossa volta, é querer viver de uma escolha e não apenas de uma necessidade. É tentar buscar algo que só em teoria nos foi concedido: a liberdade.
Amo o meu cabelo e a minha cor, (…) sinto-me orgulhosa por ser quem eu sou. Faço questão toda vez que posso de deixar bem claro que sou negra, mãe solteira e acima de tudo uma guerreira.
Tati Bafo, atriz e performer