“A mulher negra é a síntese de duas opressões, de duas contradições essenciais: a opressão de gênero e a de raça. Isso resulta no tipo mais perverso de confinamento. Se a questão da mulher avança, o racismo vem e barra as negras. Se o racismo é burlado, geralmente quem se beneficia é o homem negro. Ser mulher negra é experimentar essa condição de asfixia social.”
Sueli Carneiro
A partir dessa reflexão de Sueli Carneiro, nós iniciamos essa nota, porque é assim que nos sentimos: asfixiadas, silenciadas; silenciadas por um homem que está acostumado a silenciar, ele sabe que constrange mulheres, ele sabe que a maioria não vai denunciar, mas queremos dar um basta, queremos evitar que outras mulheres passem por isso. Fomos assediadas por esse homem e viemos por meio desta nota denunciar e expressar a voz de mulheres que ele silenciou e constrangeu – mulheres que por causa de homens como ele, veem de maneira naturalizada o que ele lhes fez, a maneira como ele as tratou. O homem em questão faz parte do movimento social, da causa negra e do movimento hip hop de Manaus. Já condecorado, conhecido e que usa como nome a própria identidade racial: Negro.
Fez várias ligações para a adolescente:
A vivência de uma mulher cis negra já é marcada por constantes violências raciais por esta não ser enxergada como mulher para casar, esta mesma mulher preta é preterida também por homens negros. Se esta condição de ser mulher negra é marcada por uma estética não querida e não aceita por um padrão imposto e construído culturalmente através dos valores eurocêntricos, tal condição entra em choque na busca de uma imagem que se aproxime desse padrão. Eis presente no capitalismo uma imposição de beleza.
Se a vivência da mulher cisgênera negra é marcada pelo racismo e pela solidão, a travesti nem como mulher será aceita. A travesti, além de ser preta é pobre, está longe de qualquer padrão de beleza imposto. Os algozes destas são todos homens e todas as mulheres que gozam de seus privilégios cisgêneros de forma transfóbica para com essas travestis pretas e periféricas. A travesti também é preterida para um relacionamento. Sua condição é marcada por violências familiares e do próprio Estado. Seu corpo traz cicatrizes aparentemente incuráveis. E para ser aceita como mulher numa sociedade que a demoniza, ela compulsoriamente segue o referencial da mulher cis branca da novela ou da revista de moda. E não é ela que se tortura, são os outros. Os homens, como esse denunciado, só irão procurá-la para o sexo casual. Nessa transa se experimentará os piores fetiches dos homens.
Já é de práxis em Manaus os movimentos culturais e sociais silenciarem casos como esse. Ainda não se debate no movimento negro a existência das travestis pretas e periféricas que também são exterminadas e sofrem o dobro de opressões, fica dito: racismo, misoginia, machismo e transfobia. O que falta nesses movimentos sociais do Amazonas é uma interseccionalidade.
Viemos por meio dessa nota denunciar o machismo no movimento social de Manaus/AM, o homem em questão faz parte tanto do movimento negro, quanto do movimento hip hop. Nós, mulheres negras – sobretudo negras e travestis – estamos vulneráveis a muitos tipos de violência, racismo, machismo, transfobia, hiperssexualização de nossos corpos, somos tratadas como se fôssemos depósitos de esperma, sempre, constantemente, e nem no movimento social que seria aonde nós poderíamos ter algum apoio, não temos proteção alguma, não há nada e nem ninguém que nos ampare. Esse homem que veio morar em Manaus por volta de 2 anos, maranhense, que morou por um tempo no Pará, que recebe homenagem na Câmara, esse homem hipócrita que faz palestras em instituição de medidas sócio-educativas para adolescentes e jovens meninas, esse homem que dá palestras sobre o genocídio da juventude negra, esse homem é machista, esse homem é assediador e alicia também menores de idade (como uma das meninas que não poderá ter seu nome e nem sua imagem revelada por ser menor, mas que também contribuiu para essa nota), esse homem não respeita mulheres! Esse tipo de homem se esconde e se confia em discurso de “depressão”, usando da chantagem emocional para não ser denunciado e que para que mulheres tenham pena e façam o que ele quer que elas façam, isso também é violência psicológica! Esse homem pode dizer que se arrependeu, mas já haviam conversado com ele antes sobre isso e mesmo assim ele não parou. E ele não é o único, muitas mulheres não denunciam pela falta de provas, muitas mulheres tem medo.
Nossa existência toda é marcada por cobranças frequentes: sobre como devemos nos comportar para que a violência que nos atinge não possa ser justificada pelas nossas próprias atitudes; sobre como conviver com nossos algozes sem pensar em denunciá-los, porque sabemos que se o fazemos, estamos rompendo com uma teia de relações que irão beneficiar quem costuma estar em lugares “confortáveis”, quem sempre tem o privilégio de ser ouvido. Quem permanece nesses espaços, vistos a partir de suas supostas possibilidades de resistência e pelos quais as vozes de pessoas marginalizadas socialmente poderiam ecoar coletivamente, não são mulheres que se desgastam profundamente em diversas tentativas de desmascarar o agressor figurado em um militante incapaz de oprimir quem está ao seu redor. Queremos cobrar o posicionamento dos movimentos que esse homem participa, pois nenhum tipo de violência contra mulher deve ser tolerada, nós não toleramos, não passará!