Violência contra mulheres se configura como todo ato que resulte em morte ou lesão física, sexual ou psicológica de mulheres, tanto na esfera pública quanto na privada. No Brasil, segundo o Mapa da violência de 2015¹, cerca de 13 mulheres morrem por dia e desse número, 7 são mulheres negras. A condição de ser mulher proporciona uma vulnerabilidade em vários aspectos que são vivenciados pelas mulheres e estão sendo reproduzidos e mantidos pela sociedade todos os dias. A violência física nasce de uma violência psicológica que é naturalizada pelo convívio com o machismo na educação familiar, nas socializações e nas relações afetivas principalmente.
É muito difícil numa sociedade que entende que “cantada é elogio”,que as vítimas de estupro devem ser culpabilizadas em algum momento pela violência que sofreram, que “briga de marido e mulher não se mete a colher”, que “tem mulher que gosta mesmo é de apanhar” e que sexualizam as crianças e infantilizam as fantasias eróticas adultas, reconstruir uma forma de enxergar a violência e nos perceber, enquanto mulheres, violentadas desde o nascimento nesse processo. Pensando nessa perspectiva, este texto evidencia a quebra de alguns tabus dentro desse ciclo de violência.
01 – Nenhuma violência é igual a outra.
A violência contra a mulher, bebe do machismo e racismo, no sistema patriarcal, e é uma tecnologia que se modifica através das experiências coletivas, dentro dessa sociedade e individuais dentro das relações. Logo, apesar de existir o estigma de um perfil único de violência, seja do agressor ou da vítima, esse fenômeno atravessa todas as classes sociais e espaços de poder.
02 – “Mulheres que continuam com seus agressores, sem denunciá-los, são machistas/perpetuam o machismo”
O ciclo de violência, para algumas mulheres, parece ser bem estreito e sem saída, pois para muitas principalmente mulheres negras e periféricas, o agressor é a fonte de renda ou o mesmo se utiliza do poder para reproduzir ameaças de diversas formas: psicológica, patrimonial, física e por fim o feminicídio. Logo, elas são as maiores vítimas desse sistema misógino que não permite a mobilidade, nem políticas de garantia visando a autonomia da vítima e a proteção efetiva durante o período de denúncia da agressão. A esfera judicial, atualmente, assistem as mulheres violentadas, porém não conseguem garantir muitas vezes a segurança da vítima dentro de sua própria residência.
03 – A Lei 11.340, conhecida como Maria da Penha, que assiste mulheres em situação de violência doméstica, é efetiva para todas as mulheres.
Primeiramente, apontamos que a Lei Maria da Penha não é obrigatoriamente efetivada para relacionamentos homoafetivos, nem para mulheres trans. Logo, o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, delimita o seu posicionamento político de negação e extermínio dessa população. Com relação ao duplo estigma de raça e gênero, o Mapa da violência de 2015 “ Homicídio de Mulheres”¹ apresenta que com poucas exceções geográficas, a população negra é vítima prioritária da violência homicida no país. Enquanto as taxas de homicídio da população branca tendem, historicamente, a cair, aumentam as taxas de mortalidade entre os negros e enquanto as taxas de feminicídio de mulheres brancas cai de 1.747 vítimas, em 2003, para 1.576, em 2013, o que representa uma queda de 9,8% no total de feminicídios no período, o índice de assassinatos de negras aumentam 54,2% no mesmo período, passando de 1.864 para 2.875 vítimas. Nesse mesmo parâmetro se dá o cumprimento da Lei Maria da Penha, onde o número de vítimas cai 2,1% entre as mulheres brancas e aumenta 35,0% entre as negras.
04 – “Briga de marido e mulher não se mete a colher!’ – Mete sim, independente de quem seja!
O ato de denunciar não é apenas uma responsabilidade da vítima. Parte da efetivação da garantia de direitos é do controle social, ou seja: é também responsabilidade nossa cotidianamente denunciar qualquer violação de direitos, assim como qualquer tipo de violência contra a mulher. A denúncia ela é anônima, pode ser feita em qualquer delegacia, com o registro de um boletim de ocorrência, ou pela Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), serviço da Secretaria de Políticas para as Mulheres. A denúncia é anônima e gratuita, disponível 24 horas, em todo o país.
05 – Toda agressão começa na violência física : Mito!
O ciclo de violência contra a mulher, geralmente se inicia na violência psicológica. Porém esse sofrimento é tão naturalizado na nossa educação que é complicado identificar como violência. Um outro impeditivo para a notificação da violência psicológica é a ausência de comprovação palpável de que a violência ocorreu. E a partir de comportamentos ofensivo, que impedem a liberdade e autonomia, manifestação de posse, como ciúmes, sutilmente se caracteriza como o início de uma relação abusiva e um ciclo de violência que pode ser quebrado ou se perdurar até ao feminicídio.
06 – As mulheres sofrem mais violência dentro de casa do que em espaços públicos.
Existe uma significativa preocupação da sociedade com a violência doméstica e os assassinatos de mulheres pelos parceiros ou ex-parceiros no Brasil. Em uma pesquisa realizada pelo Data Popular e Instituto Patrícia Galvão², dados revelam que 7 em cada 10 entrevistados consideram que as brasileiras sofrem mais violência dentro de casa do que em espaços públicos, metade avalia ainda que as mulheres se sentem de fato mais inseguras dentro da própria casa. Destes entrevistados, 54% conhecem uma mulher que já foi agredida por um parceiro e 56% conhecem um homem que já agrediu uma parceira. E 69% afirmaram acreditar que a violência contra a mulher não ocorre apenas em famílias pobres ( e negras).
Mas, não é apenas no âmbito privado que as mulheres são expostas à situação de violência. A violência institucional, por exemplo, que se dá pela mão do Estado, podendo ser caracterizada desde a omissão no atendimento até casos que envolvem violência verbal, física e discriminação de gênero. Esse tipo de violência também pode revelar outras práticas que atentam contra os direitos das mulheres, como o racismo.
07 – Homem feministo, Machismo reverso e afins – Isso existe?
Muitas vezes, ouvimos geralmente de homens falando sobre esse assunto, tentando explicar o feminismo com suas palavras ou vivências (??????) e relatos de mulheres que já agrediram seus companheiros fisicamente e inclusive essa pérola aparece, assim como a “Lei João da Penha” que deveria existir. Primeiramente, não pode haver protagonismo do homem no feminismo, pois é uma luta onde a representação masculina se encontra como a figura do opressor. É responsabilidade de todxs serem aliados a luta pela vida das mulheres em sua diversidade, mas o protagonismo deve ser exclusivamente nosso. Segundo, não há graça na perpetuação de idéias que ridicularizam os dados de feminicídio e violação de direitos das mulheres. Não existem mulheres machistas e sim mulheres que reproduzem o machismo, assim como a vítima ocasionalmente pode reproduzir o comportamento agressivo que é legitimado em sua vivência afetiva e visto pela sociedade misógina como um comportamento transgressor a norma de opressão é um caso raro dentro de porcentagens altíssimas de agressões realizadas por homens contra as mulheres.
08 – É possível criar estratégias de enfrentamento a violência contra a mulher?
Esta reflexão crítica não tem uma resposta pronta, visto que apesar de termos uma Rede de Enfrentamento a Violência contra a Mulher estruturada no País, ainda se encontra enfraquecida de diversas formas e a cada passo atrás que o governo golpista dá na garantia de direitos das mulheres, mais mulheres morrem no país. Assim como capacitar profissionais de saúde, assistência, segurança pública e do âmbito jurídico, o estado deveria garantir proteção integral às mulheres cis, trans, lésbicas, bissexuais e uma demanda da sociedade além de enfrentar e denunciar, promover um controle social dos dispositivos de assistência para que a saúde da vítima, dentro do processo, seja garantida.
¹ http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf
²http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2013/08/livro_pesquisa_violencia.pdf