Pouco sabia sobre a solidão da mulher negra, da mulher negra, da mulher e de solidão quando tive medo a primeira vez. 12 anos de idade.
O quanto realmente se sabe sobre uma pessoa de 12? Só uma pessoa. Geralmente todos parecem ter certeza de tudo sobre uma menina. Sabem sim, o quem vêem nela, dela, nada sabem, mas no olhar todo lugar pra ela se acha, se impõe, se determina sem dizer, sem explicar.
Na adolescência ocorre a gestação do resto da vida. Tudo ali será memória impactante. Tudo ali é semente pro bem ou mal estar. Tudo antes disso, tudo depois. O mundo vai se depositando aqui sem licença. Quantas meninas negras não sabem de si? Muitas meninas só se sabem meninas por tudo o que há de prejuízo e violência. E ainda somos nós, por nós mesmas.
Mulher negra não era termo que fizesse parte do que eu ouvia apesar de compôr os sentimentos tão desencontrados.
Quando as maiores alegrias das minhas amigas mais próximas me tornava menos humana, por não aspirar aquelas conquistas naquele momento nem ter plano pra elas num futuro próximo, achava que minha idade estava sem a configuração adequada. Na alta adolescência, no pico das crises que existir nos impõe o atalho que consegui alcançar foi o das palavras. Qualquer uma. A Bíblia que li inteira procurando algo, as poesias, e as palavras que só dento de mim eram possíveis de palavrear.
O selo de menina estranha já tinha carimbo.
Neste trecho de tempo conheci e estive presente na Marcha Mundial das Mulheres. Então eu era uma delas. Uma mulher. Algum sentido passou a existir, mas só dentro de mim, sem compreensão. Ainda não era possível digerir todas aquelas informações de maneira nutritiva.
Veio a participação no cursinho Pré-Vestibular Comunitário. Educafro, era afro, era a África que era apresentada. O foco principal, a população negra. Banzo. Existia muito lá, distante e este algo lá estava aqui. Aqui dentro. Uma árvore de vários tipos de frutos. Cada um se saboreava ou amargava de um modo. A família, as paixões, as amizades tão desenquadradas do meu eu, os sonhos, os medos, a solidão sem fim, o pouco entendimento de tudo isso e tudo isso em mim.
Um dos sonhos caminhou até um abismo e no excesso de forças, voou. Psicologia. Psicóloga. Era sonho demais, a negritude foi quase negação no espaço acadêmico. Foi preciso sair de lá pra descobrir as tantas deficiências da minha formação enquanto psicóloga.
A solidão já parecia ter direção, endereço e ainda solidão, sem explicação, fora de um contexto aceitável. Quando se entende pra onde quer ir, se sabe qual saudade se alimenta. Banzo, Mulher Negra.
Cida Bento, bell hooks, Lélia Gonzales, Carolina Maria de Jesus, Maria Bonita, Esmeralda, Valdenir, Josi Lima. Mulheres pra me mostrar o vazio que a falta da negritude preenche em tantos lugares. A dúvida era: não ocupar lugares em que somos ausência ou fazer questão de ocupar alguns espaços. Sentir-se bem é enfrentamento ou costume?
E negra, menos escolha, menos paixão, menos amor público, menos eu. Compreensão, entendimento e lucidez, sim, algumas vezes.
Negra não é vista como a gestora da equipe, ainda sendo. Negra que não é a namorada, ainda querendo. Meus medos são medos de ter medo. Quando sou silêncio, posso ser brutalidade. Quando tenho razão posso ser apenas arrogância e sede de briga.
Não consigo ser quem eu sou. Obrigação de ser forte num sábado sem pessoas presentes. Linha com cerol precisa fazer corte, mas não faz.
Solidão de mim.
Que possamos acolher nossas meninas negras, nossas mulheres pretas. Fazer junto, apresentar o mundo através dos nossos olhos e deixar que elas recebam tudo do jeito que vier e sejam forjadas por alheios que não sabem de si, menos ainda de nós.