No dia 20 de novembro, pleno dia da Desobediência negra, Erica Malunguinho – a mulher que pariu um quilombo urbano falou uma frase que me marcou de maneira muito profunda: “a transfobia é um vício branco”. Dias, semanas depois ainda me vejo inquietada sobre o que essa frase significa. Principalmente, por Malunguinho logo depois ter completado: “nós precisamos parar de produzir tais vícios em nossos quilombos”. Para Malunguinho, toda pessoa negra carrega consigo o quilombo.
Pensar em quilombo, pensar pessoas negras vivendo em coletividade e enxergar a transfobia inserida em nossos espaços e vidas, é refletir sobre como os processos coloniais nos afetaram e incutiram em nossas práticas diárias atos de violência – coloniais – que desumanizam, inclusive, nossos iguais.
Reflito que dizer que a transfobia é um vício branco e, logo, precisa ser extinto das nossas comunidades negras, é apontar uma questão central para o projeto de descolonização de mentes que estamos traçando com nosso povo.
A fala de Érica é para pensar qual futuro nós queremos para o povo preto enquanto coletivo, enquanto quilombo. E para esse quilombo viver em comunhão, nós precisamos deixar de lado práticas de desumanização. Afinal, o ato de desumanizar é um ato branco. É a branquitude quem insiste em dizer quem é humano e quem não é. Para as pessoas negras, coletivamente, lutarem por sua humanização, nós precisamos parar de reproduzir violências de contextos brancos. Incluindo, a transfobia.
Por isso, depois de ter saído tão instigada do encontro que tivemos na Aparelha Luzia, estou interessada em pensar a transfobia na população negra como algo que também prejudica nossa percepção crítica quanto ao mundo e qual deve ser nossa postura política. Se estamos propondo um novo marco civilizatório, o fim da legitimação/deslegitimação cisgênera a respeito dos corpos também deve ser uma questão central quando idealizamos um novo projeto político de humanidade. Tenho dado prioridade a um pensamento que lutar contra a transfobia na população negra é, inclusive, nos auxiliar no processo de descolonização que devemos passar.
Quero pensar a transfobia nos ciclos negros a partir de um viés não só expositivo, mas, principalmente, RESTAURATIVO. Porque acho que quando procuramos criar posições restaurativas, onde iremos nos conectar com outras pessoas negras, a transfobia deixa de ser uma alternativa possível porque fere um grupo já marginalizado de pessoas negras.
Descolonizar é, também, assumir uma postura de se posicionar contra a(s) transfobia(s).