A base econômica da humanidade aconteceu a partir da sucessão dos modos de produção, ou seja, o modo como essa humanidade obtinha e distribuía os recursos necessários para seu sustento. A princípio essa organização se caracterizou pela propriedade coletiva e pelo baixo nível das forças produtivas. O capitalismo e a coação extra econômica, ou seja, a escravidão, foram o que sucedeu esse modo de produção chamado primitivo, pois valorizava a distribuição equitativa e igualitária, além de contar com a colaboração de todos.
É importante contextualizar o regime escravista no Brasil como um sistema que foi naturalizado dentro da sociedade, tanto que todas as pessoas tinham escravos, inclusive escravos alforriados, porque esse era o produto que auferia valor monetário a época, além de garantir o status social, essa consequência do trabalho escravo acabou por formar nossas consciências.
A construção da história brasileira ocorreu a partir da coação extra econômica, ou seja, o processo escravista foi quem garantiu a produção, o sustento e o desenvolvimento da sociedade brasileira através do uso da força e da privação de liberdade. Falar sobre os 130 anos da Abolição é antes de tudo fazer uma reflexão profunda das consequências dessa organização em nossa sociedade e como nós a reproduzimos no dia a dia.
Refletir sobre os 130 anos da Abolição é primeiro nos perguntar se estamos mesmo libertos?
É estabelecer paralelos por exemplo entre a reforma trabalhista e a reforma da previdência, com a Lei Aurea e a lei do Sexagenário, onde ambas foram pensadas sem avaliar seus os reflexos na vida cotidiana da população negra.
Também é contextualizar historicamente a presença das mulheres negras, como base da mão de obra nacional, visto que elas trabalharam nas lavouras sendo submetidas a mesma dureza do trabalho masculino, engana-se quem pensa que haviam benefícios de gênero ou da condição feminina, muito pelo contrário, sofriam violências outras como o estupro, separação os filhos e viuvez precoce.
Dentre outras coisas pensar na Lei 10.639 e na efetiva ausência da sua implantação seja pelo racismo institucional que deixa de investir na capacitação docente, seja pela deficiência de conhecimento com que esses profissionais saem dos bancos das universidades.
É pensar nas consequências das ausências de estruturas sociais e institucionais que acabaram por privar 54% da população de saúde, educação, trabalho digno, lazer e direitos políticos e sociais.
Essa ponta do iceberg fica clara a partir dos dados do mapa da violência que diz respeito aos índices de morte dos jovens negros, no aumento da violência na vida das mulheres negras e nas altas taxas de desemprego que atingem principalmente homens e mulheres negras. Esses dados refletem que as políticas públicas e as ações reparatórias não chegaram a essas pessoas.
Os investimentos diminuem drasticamente e as estruturas federais, estaduais e municipais que atendiam a essas demandas estão sendo ou já foram desmontadas, causando não só perdas no sentido do desenvolvimento e enriquecimento do estado, mais principalmente na qualidade e oportunidades de vida dessa parcela da população.
Pra finalizar da mesma forma que a Princesa Isabel não previu no orçamento gastos com moradia, educação, saúde e infra estrutura; nossos governantes também não colocam as pautas negras nos seus planos de governo, ou melhor, não destinam verbas para garantir que as ações relacionadas as nossas reivindicações sejam executadas, nos deixando a mercê do terceiro setor ou das migalhas de uma infraestrutura deficiente.
Fazer qualquer reflexão sobre a Abolição perpassa repensar a responsabilidade do estado enquanto agente garantidor dos direitos e liberdades dos cidadãos, rever o compromisso social com a dignidade dessa parcela da população, reexaminar nossa incapacidade de superar a manutenção do racismo que estrutura nosso cotidiano e na impossibilidade de refazer o caminho que nos trouxe até aqui, tornar possível que os próximos passos construam trajetórias e narrativas inclusivas, igualitárias e que nos coloquem num outro patamar de humanidade.
Imagem destacada: Prefeitura de Santo Amaro