Há algum tempo tenho escutado: “Não abrace a fala do mundo”, “Cuide de sua saúde, ela importa”. Pensei que isso não fizesse sentido. Muito pelo contrário, fez e faz, mas até então eu não me dava conta do peso que tais falas carregavam. Era como se eu não enxergasse, por completo, a esfera na qual a militância está inserida. Nos últimos meses tenho dedicado, ao menos uma hora do meu dia, para entender os reflexos causados por ela.
Antes de mais nada, é necessário colocar os pingos nos is e contextualizar, de forma simples e clara, o significado dessa palavra que a cada dia ganha mais força.
De acordo com o Dicionário Aurélio, militância é um substantivo feminino que remete à prática da pessoa que defende uma causa; de quem busca a transformação da sociedade por meio de uma ação. Abro aqui um parêntese e peço, por favor, para que não confundam militância com militança. Outro substantivo, com o ofício de militar.
Combinado?
Ok! Seguimos.
Fazer textões com sede de justiça e aquele espírito combativo no Facebook, Instagram ou qualquer outra plataforma que nos permita falar, é bacana à beça. É como se um peso surreal saísse de nossos corpos. É uma sensação libertadora, confesso.
Melhor ainda é quando recebemos feedback positivo, sabe?! Aquelas mensagens lindas de pessoas que talvez você nem conheça direito, ou nunca nem viu na vida, agradecendo e exaltando o quanto suas palavras foram úteis e acolhedoras.
Para o militante negro, em especial, as redes sociais funcionam como lacunas para uma série de debates, estes até então extremamente restritos aos espaços que contemplavam os movimentos. Afinal, as pautas negras nunca foram consideradas relevantes nos demais ambientes.
O que muita gente precisa entender, urgentemente, é que por trás de qualquer militante – das inúmeras causas – existe um ser humano comum, com contas a pagar, com uma família, com paixões. Pessoas que buscam por horas de lazer, diversão, que gostam de sair no fim de semana para passear, ver um filme no cinema e dançar. Pessoas que sofrem, que amam, que também querem jogar conversa fora e falar de outros assuntos que fujam do racismo diário, do preconceito e do feminismo negro.
Militância não é sinônimo de plantonista! Por favor, respeitem.
Na verdade é um tanto quanto difícil explicar e entender como é que a gente entra nessa vibe. Você começa a travar uma luta, até sem perceber. Passa a não reagir aos próprios instintos e sinais de alerta que o corpo dá, e insiste em dizer: “É hora de parar!”
As pessoas começam a te marcar em posts violentos, agressivos, racistas e misóginos, esperando que você tenha sempre um posicionamento pronto. E cá entre nós, o que não falta em nossa sociedade é gente machista e racista, certo? Então você fica num beco sem saída. Não tem trégua e nem respiro.
Perde a conta de quantas vezes vai dormir com lágrimas no rosto, após um dia cansativo, com inúmeros compartilhamentos e comentários de cunho ofensivo, com enxurrada de vídeos de campanhas publicitárias que têm as “melhores intenções” e, mais uma vez falharam, com a tal representativide. Começa a se afastar cada vez mais da sua família, afinal, você se torna a implicante, a arrogante. Desvincula-se dos amigos, porque toda e qualquer demonstração sobre você e a sua vida, começa a ser encarada com olhares negativos. Os laços vão se desfazendo.
Ah, e se a sua militância acontecer somente no ambiente virtual, é pior ainda. O seu dia está resumido a uma única palavra: discussão. Ou melhor, desgaste! Você perde o controle da situação. Discute com todo mundo, o tempo todo. Com pessoas que você ama, com aquelas que você já não suportava, mas que por algum motivo insistia em ter nas redes e com desconhecidos, que simplesmente te acharam na busca do Facebook.
A internet é um meio agridoce e ver pessoas alimentando todas as expectativas de debate, em cima de você, não é um bom caminho. Parece que ninguém se importa ou questiona se você precisa de um tempo. Não! Você não pode dar um tempo, muito menos optar pelo silêncio. Mas acredite, para quem já pensa em todas essas lutas 24 horas, resguardar-se também é um ato revolucionário.
Por isso quando sentir vontade de escrever, escreva. Quando sentir vontade de gritar, grite. Quando quiser se calar, cale-se. Mas além das pautas diárias, anote mais uma lição de casa: proteja-se e cuide da sua saúde. Ela não pode ser afetada.
A militância precisa de você, mas ela precisa que você esteja bem. Ela precisa que você esteja viva. Adoecer é uma péssima opção, ou melhor, adoecer nunca é uma opção. Adoecer é ir de encontro ao que o sistema precisa. Diante de uma estrutura programada para acabar com os corpos negros, adoecer é garantir que os privilégios – contra os quais tanto lutamos – continuem sendo perpetuados por aí.
Cuide mais de você e da sua fragilidade emocional. Saiba dizer não. Reconheça os seus limites. E se for preciso, dê um tempo! Está tudo bem.
Eu sei, parece fácil falar. Mas eu garanto, você não vai se arrepender. A sua alma irá sorrir e agradecer. Hoje eu agradeço a todas que seguem lado a lado comigo, de mãos dadas e mais do que isso, àquelas que abriram os meus olhos e me fizeram entender que ninguém precisa viver em função das demandas da militância.