Como reafirmamos a necessidade de dar voz a todas as mulheres para que elas possam falar por si mesmas, segue a carta escrita por nossa companheira viviane v. em relação a sua participação na Marcha das Vadias de Salvador e em resposta aos ataques transfóbicos contra a sua pessoa e, também, a todas nós como irmandade.
É uma acusação comumente direcionada também aos debates de gênero, acusando ambos de construir rivalidades e tensões desnecessárias, como se o debate inventasse as disparidades e iniquidades que nos levam a ele, o que é preocupante para mim. Não só por perceber que, apesar de combatida, a radicalidade ainda é uma representação social habitual, como um entrave à compreensão das diversas frentes de lutas nas quais é preciso estar para combater o racismo, um dado que representa demérito em uma sociedade que já foi representada a partir da cordialidade e parece insistir em se retratar assim. Mas também porque a confiança que diversas vezes esses comentários – por vezes sussurrados – parecem significar, indica que, provavelmente, eu demonstro ser da ala das moderadas, da ala das que compreendem que “a radicalidade não é o caminho”.
Aliás, estamos cansadas dessa história de homens querendo nos ensinar o que é feminismo. Por que os mesmo que reclamam dos brancos que tentam ensinar o que é racismo, querem nos dizer o que é machismo? Como se não bastasse ocupar grande parte das lideranças de outros movimentos, homens ainda querem estar na linha de frente do feminismo? Não, obrigada. Não precisamos disso, precisamos de pessoas que tenham compreensão com a nossa luta e saibam reconhecer seus privilégios, respeitar as nossas causas e a nossa liberdade.
Estou escrevendo sobre isso porque hoje, aos 33 anos, sei que a minha reconciliação com minha mãe e tias somente foi possível a partir deste aprendizado no movimento negro. Ouvindo com atenção as mulheres negras, curando-me de mágoas e repensando politicamente minhas relações afetivas com as demais mulheres. Lembro-me que desde os meus 13 anos, passando pelos 15, minhas tias, devido às alianças com seus seduzidos companheiros pela minha adolescência negra, me isolavam do convívio mútuo, não falavam comigo, ainda que a oralidade e a roda de diálogos sejam expressões singulares africanas, inclusive na diáspora, como terapia comunitária e reconstrução da espiritualidade e das emoções.
É escrever um texto para um blog e esperar que pelo menos alguém se sinta tocado por ele.
É estudar, capacitar-se; pois o conhecimento é a maior arma que se tem contra a ignorância.
Militar contra o racismo, em prol da igualdade racial, é bater de cabeça num grande bloco de gelo. Vai doer, vai parecer ineficiente durante um tempo, mas no momento em que você perceber uma mudança – por menor que ela seja – aquilo se tornará algo essencial em sua vida.
Já não consigo mais ficar calada.