”As mulheres, em especial as negras, empurram a esquerda para a esquerda” Vilma Reis, RJ, 2019
Estamos num ano diferente para a conjuntura política no Brasil e mundo. A possibilidade de adiamento das eleições para o mês de dezembro pode ser uma das alternativas criadas pelo Tribunal Superior Eleitoral para dialogar com o momento de pandemia e necessidade de afastamento social, dando mais tempo para organizar as condições de uma eleição que nunca vivemos.
Por isso, é necessário refletir sobre o debate racial e as eleições 2020, avaliando o retrato da participação negra nos processos de disputa de poder, evidenciando a atual condição de pessoas negras que já estavam em processo de construção de suas candidaturas para as eleições esse ano, além de reafirmar a necessidade de mudanças estruturais nas instituições e sistemas políticos, para de fato garantir que haja igualdade de oportunidades no momento de disputa da democracia representativa, as eleições. Porque nossa maior provocação é: COTAS RACIAIS NO PROCESSO ELEITORAL.
O Estatuto da Igualdade Racial, no seu artigo 2º, estabelece que: “é dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais”.
Mas não é essa a realidade do nosso país. Dados do TSE sobre as eleições de 2016 apontam que a participação não é igual entre candidatos negros e brancos. Dos 5.568 municípios do país, em 2.512 cidades não houve candidato negro (preto ou pardo) disputando o cargo de prefeito. Isso representa 45,11% dos municípios. Apenas 8 em cada 100 candidatos foram negros, no País com 53% da sua população negra. O sistema de divulgação de candidaturas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revela que apenas 8,65% (42.524) dos candidatos nas Eleições de 2016 se declararam negros. Os dados sobre cor ou raça só passaram a ser declarados pelos candidatos a partir das Eleições de 2014, conforme a Resolução nº 23.405/2014 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A sociedade brasileira não reconhece a mulher e o homem negro como agentes de desenvolvimento social, político, econômico, científico, cultural e ambiental, intelectual. É necessário reconhecer que os custos de uma campanha eleitoral estão diretamente ligados à discrepância da relação entre brancos e negros nas candidaturas, tendo em vista que a base da renda per capita do país apresenta a maioria da população negra.
Mesmo diante dessa triste realidade de desafios para a população negra brasileira na disputa dos espaços de poder, nas últimas eleições vimos crescentes iniciativas de candidaturas negras em especial de mulheres construindo um outro referencial do que é disputar poder, estabelecendo novos marcos com estratégias concretas de compartilhamento de poder a partir de projetos coletivos descolonizados, que buscavam estabelecer novas narrativas estéticas e políticas na construção da democracia. Projetos que em sua maioria nascem fora das estruturas partidárias, influenciados por um outro referencia de construir política e poder. Marielle Franco era retrato disso, uma corpo que desafia o espaço de poder, que possibilita se enxergar o compartilhar.
Inspiradas por Marielle, Áurea, Erica, Dani, Marta, Robyoncé, Taliria e tantas outras, essas eleições já apontam há alguns meses a construção de candidaturas negras oriundas do movimento social e da organização coletiva. Mulheres e homens negros que têm construído outros formatos para influenciar a sociedade sobre a importância de participar do processo de escolha de representantes, de votar! Essas candidaturas precisam iniciar suas articulações mais cedo porque as oportunidades não são as mesmas com esse sistema eleitoral.
Essas candidaturas vivenciam, nesse momento específico, a necessidade de voltar suas diversas atuações no campo da luta por direito à cultura, moradia, educação para atuação por direitos ainda mais básicos de alimentação, higiene, renda para todos os grupos com os quais já atuava. Essas candidaturas não estão tendo a oportunidade nem o tempo de fazer as articulações, agregar apoios e estrutura porque todas as energias e recursos estão voltados à solidariedade, prevenção e ao cuidado diante da pandemia. É necessário que o movimento negro, os movimentos feministas assumam a importância política dessas campanhas, pressionando de forma coletiva as estruturas partidária para igualarem as possibilidades de disputa.
Já existem algumas propostas de estabelecimento de cotas para eleições rolando no Congresso Nacional, debates em 2013, 2016, 2018. Mas poucos avanços. As propostas vão no sentido de garantir cotas no processo eleitoral dos partidos, e cotas de vagas eleitas nas casas legislativas. Temos exemplos que mostram a eficácia das ações afirmativas de cotas, como as que foram implementadas no âmbito do ensino público superior, para ingresso de afrodescendentes, e as cotas de gênero na participação feminina nas eleições. São elementos de que as cotas reduz a desigualdade da representatividade almejada pelo Estado Democrático de Direito. Mas nenhuma dessas iniciativas, até, agora foi para votação. Existem muitas pessoas interessadas em fazer a manutenção de um sistema como ele está, privilegiando apenas alguns grupos.
”Os partidos de esquerda não conhecem a classe trabalhadora” Lúcia Xavier, 2020
Uma mudança de postura é necessária, reconhecer as relações raciais como centrais para fortalecimento da democracia. Os partidos de esquerda precisa fazer um gesto político que ultrapasse o pragmatismo como resposta ao contexto. O fascismo é uma das faces do racismo, e esse sistema de opressão oprime a classe trabalhadora. E essa classe trabalhadora é negra!
“Não é o momento de trazermos a centralidade às questões identitárias, o momento é de enfrentamento a força maior do fascismo”. Juliano , Presidente do Psol em Plenária da Frente Povo Sem Medo, SP 2019
Quais ações concretas os partidos políticos que estão nesse campo progressista irão usar para garantir nas eleições o aumento do número de candidaturas negras, em especial de mulheres? O discurso de empoderamento não funciona se as candidaturas construídas a partir dos movimentos sociais e de mulheres forem rifadas dentro das estruturas partidárias, onde os projetos só prosperam se estiverem ligados a “padrinhos”, “tendências”, “correntes” ou “privilégios”. Garantir o espaço político, fundo partidário e tempo de TV são apenas algumas das iniciativas que devem ser, obrigatoriamente, cumpridas por todos os partidos que se usam do discurso do empoderamento da população negra e das mulheres.
O povo negro, maioria nacional, resistência e solidariedade diária que é a resposta a essa conjuntura de aumento do racismo e fascismo. Somos a chave que abre os portões da democracia e fecha as porteiras do fascismo. A luta negra é uma força política que deve ser reconhecida como instrumento para construção de novos marcos democráticos em nosso País, novos marcos raciais. Mas estarão os brancos dispostos a serem menos nesse momento? Vamos ter a resposta em breve.
Imagem destacada: Politica Ya