Por Mariana Assis para as Blogueiras Negras
Hoje eu me lembrei de como me tornei mulher, ao contrário do que muitos podem estar imaginando, não se trata de um relato emocionado sobre a minha “primeira vez”.
Tornar-se mulher nesse mundo é perceber-se vítima do machismo, é identificar a opressão e seu opressor. Curioso que me tornei negra antes de me tornar mulher, acho que experimentar o máximo da supressão de direitos, desumanização e subalternidade ajudou um pouco na identificação dos sinais que sempre estiveram ali, mas que eu não queria ver. A vantagem de compreender o que significa ser negra antes de compreender o que significa ser mulher –, para além da coisa da mãe, delicada, frágil e virginal, evidente – é que já cheguei no grupo oprimido pelo machismo com meu orgulho restaurado e o desejo, cada vez mais forte, de sair da condição de meras categorias sociais definidas pelo meu opressor, mulher e negra, para me tornar parte de um grupo atuante e de luta mulheres negras!
Hoje conisgo identificar rapidamente quando tentam me colocar de volta no meu lugar, consigo identificar aquele olhar de descaso, que me fez perceber-me mulher, em qualquer homem machista. Não sei bem se todos fazem isso conscientemente ou se é um impulso natural de sua formação para dominar e oprimir, só sei que é algo que fere e machuca mais que qualquer pancada, mais que qualquer piadinha besta sobre mulheres dirigindo ou cozinhando, mais que o domínio sobre nosso corpo e nossa sexualidade. Na verdade, acho que é esse olhar que torna tudo isso possível é ele que torna certos espaços tão desconfortáveis para todas nós que preferimos, durante muito tempo, estar fora deles. O olhar do seu opressor te oprimindo, desprezando suas opiniões, não importa o quanto você entenda do que está falando, não importa sua formação e reconhecimento na área, você sempre será olhada com aquele misto de condescendência com autoritarismo que parece dizer “perdoai Senhor, ela é só uma mulher”. O olhar dos nossos senhores.
Quando ele vem de homens brancos, eu mulher já negra, ciente do meu lugar social e da minha luta compreendia e sabia como agir, sabia lidar com o racismo naquele olhar senhoril. Mas quando ele veio dos nossos irmãos, dos nossos homens negros, daqueles que deveriam conhecer minhas dores e me proteger contra a dominação do outro, só então eu entendi o que estava no olhar de ambos, entendi que o desrespeito à marca que carrego no corpo, à minha condição feminina estava ali legitimando meu lugar social de mulher. Entendi que, mesmo meu irmão negro admirando e respeitando a marca que trazemos na pele, que nos aproxima e, deveria, unificar, não consegue resistir à tentação de estar acima, de oprimir e dominar, está além de sua vontade própria e desejo de mudança social, é a ordem natural das coisas e ele é apenas mais uma peça para manter o equilíbrio e os lugares definidos para o feminino e o masculino.
No fim das contas nosso corpo tão sagrado nos discursos inflamdos de alguns, o corpo que realiza o milagre da vida, aos olhos de nosso opressor e da sociedade que o forma, ainda não passa de um casulo vazio movido pela vontade de seu homem.