Ontem foi anunciada em um festival a vinda de uma grande artista negra referência para música preta do Brasil e do mundo, e não figurava no line-up nenhuma cantora negra contratada para o evento.
Isso revela uma curadoria totalmente desconectada com o momento presente, visto que essa artista dialoga com diversos outros da música preta brasileira atual. O que se observa é um mercado viciado, fazendo as mesmas escolhas de sempre: ignorar artistas negros/indígenas no Brasil, sobretudo mulheres.
Com todo o respeito aos artistas contratados para abertura, mas essa nota surge no sentido de demarcar a nossa posição com relação ao sistemático apagamento de pessoas negras/indígenas, especialmente mulheres negras/indígenas, quer seja nos line-ups, ou nas curadorias desses eventos.
Grandes festivais, ainda estão sob domínio da branquitude que insiste em seguir com o plano da exclusão, disfarçado em métodos contemporâneos onde racialidade e gênero serão ignorados como pautas centrais para a construção de quaisquer narrativas de reparo, alternância e redistribuição de oportunidades.
Arte e cultura, ao contrário do que preguiçosamente se imagina, são pontos centrais no desenvolvimento geopolítico de um sistema.
Um festival de arte gera renda, promove empregos diretos e indiretos, amplia e estimula o pensamento e tem responsabilidade social como complemento educacional de um sistema ferido. No entanto, o que podemos observar é a manobra do capital a forjar uma pluralidade disfarçada, subjugando tanto o público, quanto as artistas excluídas. Esse movimento corrobora com toda a complexidade vivida pelos corpos objetificados pelo mercado. Pretos, são a excelência nas culturas diaspóricas, garantindo invenção de linguagens, porém estão sempre recebendo menos chances, cachês e atenção.
As curadorias devem ser profundamente pensadas de forma coletiva e justa, onde as oportunidades se estendam com mais equilíbrio.
Se o dinheiro que promove os grandes festivais são de imensas labels brancas, o mínimo que queremos, é que suas curadorias sejam negras, femininas e indígenas, onde a representatividade não seja o Dj Alok usando um cocar ou a Claudia Leite se intitulando nega lôra.
Vivemos um verdadeiro big bang musical, que não se resume apenas a “representatividade” ou “empoderamento”, termos cansativos que o mercado usa e abusa como mote conveniente para continuar estereotipando as pessoas, e tentando deixá-las no mesmo lugar de sempre. Estamos falando de arte!
A fonte negra onde todo mundo se refestela não seca, mas precisa impor limites para que sobre a água fresca desse swing, garantindo o fôlego que reformulará esse mercado.
São signatárias e ajudaram a produzir a nota as cantoras: Xênia França, Liniker, Luedji Luna, Mahmundi, Luciane Dom, Ellen Oléria, Gabi Amarantos, Bia Ferreira, Lio, Majur, Larissa Luz, Anelis Assumpção, Tássia Reis, Teresa Cristina, Brisa Flow, Karol Conka, Kaê Guajajara, Marissol Mwaba.