Neste primeiro texto do especial Convergências Diaspóricas SSA-NYC, Daisy Santos remonta brevemente sua fase de preparação para o Doutorado Sanduíche, aborda os desafios e as delícias desse processo e compartilha o início de sua trajetória em busca de uma Nova Iorque Black.
Esse é um texto de apresentação, que vai um pouco além dessa simples função. É um pouco da história de uma mulher cis, negra, nordestina, candomblecista, doutoranda, realizando um intercâmbio na maior metrópole do ocidente, para estudar Moda Afro. Essa sou eu, e isso é o que eu estou fazendo (ou tentando fazer) agora da minha vida. E, para chegar até aqui, passei por um longo, e por vezes doloroso, processo.
Mas antes, como diz Vilma Reis, deixa eu dizer meu nome e sobrenome. Sou Daisy Santos, museóloga de formação, Mestre em Estudos Étnicos e atualmente doutoranda do Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Sou baiana, soteropolitana e toda a minha formação acadêmica foi realizada na UFBA. Desde que entrei no doutorado sabia da possibilidade de tentar o doutorado sanduíche; mas o não fazia ideia do caminho, e também não tinha muita gente para iluminá-lo.
O jeito foi pegar os editais e ir à luta. Me inscrevi nas seleções da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), uma fundação vinculada ao Ministério da Educação), e da Fulbright (Fundação com diversos programas de bolsa, do governo Estadunidense). Existem outras agências, para outros países, mas como meu foco era os EUA, esses dois editais eram os mais indicados. Mas antes de tudo, fui em busca de um orientador estrangeiro, afinal, já precisava ter a carta de aceite para concorrer às vagas. Essa não foi a parte mais difícil, sem dúvida, porque tive uma calorosa recepção (primeiramente virtual e depois pessoalmente) do meu orientador. E isso faz toda a diferença, dado ao excesso de burocracias que são necessárias ao longo processo. Encontrar uma pessoa legal, disposta e solidária é meio caminho andado, tenho dito.
As principais coisas que uma aplicação de doutorado sanduíche exigem são: projeto de pesquisa (que não é seu projeto do doutorado, mas não pode ser algo desconexo dele), carta de aceite do orientador estrangeiro e teste de proficiência na língua do país para o qual você pretende ir.
Vou lançar um pequeno mantra aqui: estudem línguas, estudem línguas, estudem línguas! É necessário. Mesmo com o meu prévio conhecimento de inglês, que nada mais foi do que 4 anos de curso de inglês na adolescência, mesmo sabendo que para realidade da gente é muita coisa, eu tive que estudar muito para essa prova. Eu fiz cursos, fiz uns 40 simulados para me preparar para essa prova. A média para aceite é de quase 500 pontos e a prova exige uma boa administração de tempo também.
Preenchidos todos os requisitos, apliquei e esperei. Avancei para a segunda fase da Fulbright, mas não segui para as próximas diante dos diversos cortes anunciados na CAPES. Fiquei arrasada e desacreditada, mas, no fim das contas, deu tudo certo e foram mantidas 50% das bolsas e eu estava dentro dessa porcentagem.
O esquema da CAPES é basicamente assim: eles enviam o dinheiro da bolsa e você se vira. Documentação, visto, passagens, seguro saúde, acomodação. É tudo com você, marinheiro de primeiro intercâmbio. Erros, eu cometi vários. Mas a maior lição foi: jamais, em hipótese alguma, compre passagens sem a documentação e visto. Foi bem corrido, porque no caso dos EUA, eles precisam te enviar um documento (o bendito DS-2019) para que você possa tirar o visto de estudante intercambista. Mas tudo deu certo, às custas de algumas lágrimas, claro.
Duas malas, uma mochila e uma bolsa de mão era o que tínhamos no aeroporto de Salvador. O plural é porque eu não vim sozinha. Graças as Deusas, estou contando com meu companheiro nessa jornada. Embarcamos para São Paulo (SP) às 3 da manhã. Na sala de embarque as pessoas eram majoritariamente brancas; 98% posso dizer. Muitas crianças, pois o voo era para Orlando, terra da Disney e outros parques (eu acho).
Um voo longo, 8 horas. Chegamos em Orlando e a saída da aeronave já dava direto na sala da imigração. Uma fila grande, pois haviam dois voos vindos do Brasil. Fomos atendidos pelo agente que pegou nossos passaportes e nos fez algumas perguntas; em seguida deu o OK dele, tirou nossas fotos, digitou algumas coisas mais e liberou nossa entrada. O “WELCOME TO USA” tinha rolado. Foi no aeroporto de Orlando que pude finalmente ver pessoas negras e já me impressionei com os diferentes estilos que pude observar nesta chegada.Famílias que pareciam ter ido para Disney e estavam voltando para casa. Homens e mulheres negres circulando; crianças negras (não tinha sequer uma no voo vindo do Brasil). Quando pousamos em NY já era madrugada, mas o primeiro cenário “de filme” já apareceu: prédios altos iluminados refletindo nas águas de um dos vários canais que cortam a cidade. Essa foi a chegada tal qual a música da Alicia Keys.
Esse é o primeiro de uma série de textos que fazem parte do meu diário de campo (companheiro de uma boa antropóloga). Mas a vontade maior de dividir esses textos com vocês antes do trabalho final foi a possibilidade de partilhar um pouco da minha experiência na Nova Iorque negra. E tenho o feeling de que é muito mais do que as séries e filmes nos mostram. Quero dividir esse gostinho aqui com vocês. Sejam bem-vindes ao especial Convergências Diaspóricas SSA-NYC!