A nova campanha publicitária da Folha de São Paulo aposta na parcialidade como mote para continuar vendendo assinaturas. Além de outros temas que estão em constante debate em âmbito nacional, pretende continuar dividindo opiniões sobre a legitimidade das cotas raciais nas universidades e em concursos públicos: “A Folha é contra as cotas raciais. Concordando ou não, siga a Folha, porque ela tem suas posições, mas sempre publica opiniões divergentes” <http://naofo.de/129q>. Como se já não soubéssemos da parcialidade desse jornal e das suas opiniões desfavoráveis às políticas de promoção da igualdade racial, ao contrário do que se propõe, não considera as lutas históricas dos movimentos negros e de mulheres negras e suas pautas sobre racismo e mobilidade social da população negra.
O debate sobre cotas raciais foi acirrado quando o Partido Democratas (DEM) moveu ação contra a Universidade de Brasília e sua política de reserva de vagas para negras/os. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, pela constitucionalidade da adoção de políticas de reservas de vagas para negros e indígenas nas universidades públicas. Esta decisão culminou na Lei nº 12.711/2012, a chamada lei de cotas, que reserva 50% do total das matrículas em universidade públicas federais e institutos federais de educação, distribuídos segundo critérios de renda familiar, pertencimento racial e egressos de escolas públicas. A adoção de cotas raciais pelas universidades brasileiras responde a uma demanda histórica da população negra por políticas de equidade racial, ampliando a democratização do acesso ao ensino superior.
A imparcialidade nunca foi uma característica da Folha, mas colocar-se como um veículo de comunicação que debate a questão racial de maneira ampla e democrática é subestimar a capacidade crítica das/dos leitoras/es. A intenção é continuar silenciando sobre o privilégio simbólico da brancura e não colocar em jogo os interesses econômicos das elites predominantemente brancas que continuam explorando a força de trabalho negra, menos escolarizada e relegada a condições de vida precárias. Segundo a pesquisa do GEMAA, As políticas de ação afirmativa nas universidades estaduais (2013), a região Sudeste é a que menos tem cooperado para a inclusão no país, apenas 16,7% contra 26,6% da região Norte, 29% da região Sul, 32,6% da região Nordeste e 40,2% da região Centro-Oeste.
Mas por que a Folha de São Paulo e a elite paulista são contra as cotas raciais quando estas favorecem negras/os e indígenas? Ao fazer uma breve digressão histórica sobre a formação da classe trabalhadora brasileira em fins do século XIX e início do século XX, veremos que, a opção por imigrantes europeus em detrimento da população negra para compor a força de trabalho nos setores mais dinâmicos da economia, foi uma política racial fomentada pela ideologia do branqueamento. As políticas imigrantistas foram financiadas pelo estado de São Paulo (TELLES, 1994), constituindo, a meu ver, a primeira política de cotas raciais promovida pelo Estado brasileiro. Somos levadas/os a crer que a questão racial é um problema das/os negras/os, quando na verdade, permeia toda a sociedade. A branquitude, com sua suposta neutralidade, silencia sobre os lugares de privilégio.
Não por acaso, a Folha de São Paulo escolheu uma mulher negra para legitimar seu racismo disfarçado de democracia racial. A pretensão em conferir legitimidade ao seu discurso, já que é uma negra se colocando contra as cotas raciais que a beneficia, é apenas uma parte da estratégia publicitária. Embora as insistentes desigualdades de gênero e raça ainda sejam marcantes na presença de mulheres negras no ensino superior, estudos como o Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil (2013), evidenciam que temos alcançado maior escolarização nos últimos anos. A ideia da campanha é a de que recuemos de nossas conquistas, mas não importa “o que a Folha pensa”, sabemos pelo o que lutamos.
#NaoSigoaFolha
Referências
FERES JÚNIOR, João (Org.). Levantamento das políticas de ação afirmativas. As políticas de ação afirmativa nas universidades estaduais. Iesp/UERJ, novembro de 2013.
MARCONDES, Mariana [et. al.] (Org.). Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil. Brasília: Ipea, 2013.
TELLES, Edward E. Industrialização e desigualdade racial no emprego: o exemplo brasileiro. Rio de Janeiro, Estudos Afro-Asiáticos, n.26, set./1994. p.21-51.