Não basta colocar o cuidado como questão política, se não houver questionamento sobre quem se beneficia desse serviço. A “mucama permitida” (GONZALEZ, 1980) precisa dar lugar a outras possibilidades de existência de mulheres negras.
Sem esgotar a complexidade de sua organização, é preciso (re)conhecer a importância da comunidade negra de Palenque e da experiência de mulheres negras palenqueras na história dos povos de ascendência africana nas Américas, assim como de suas práticas de resistência. Tanto aqui como lá, as vivências de mulheres negras formam um corpo coletivo não somente na dor da violência do racismo, mas na possibilidade de uma solidariedade transgressora.
Nas décadas de 1970 e 1980 feministas negras como Angela Davis, bell hooks e Lélia Gonzalez já apontavam que a luta antirracista é indissolúvel da luta de classes. A recusa de feministas em reconhecer outras experiências de mulheres (que não as brancas, universitárias e de classe média) suprimiu a conexão entre raça e classe, escamoteando a situação de privilégio de um seleto grupo de mulheres forjado pelo discurso da “opressão comum”.
Não é esse o modelo de direitos sexuais e reprodutivos que queremos. Se no período colonial as mulheres negras raramente podiam criar suas/seus filhas(os) pelas circunstâncias da escravidão, na contemporaneidade ainda padecemos do racismo institucional que reduz e precariza o acesso aos serviços públicos de saúde, levando ao alto índice de violência obstétrica e mortalidade materna.
Estatísticas sobre terceirização no setor de serviços são escassas. Sem embargo, sabe-se que o crescimento desse setor, em que as mulheres negras estão sobrerrepresentadas, não significou melhoria das suas condições de vida. Concentradas na base da pirâmide social brasileira, as trabalhadoras negras correspondem ao contingente em maior posição de desvantagem dentro da classe trabalhadora. A discriminação racial e de gênero implica na segmentação das ocupações no mercado de trabalho urbano conformando as desigualdades sociais. Por tudo isso, é preciso aprofundar o debate sobre a legitimidade de uma prática que desregulamenta os contratos de trabalho ao mesmo tempo que reproduz os valores patriarcais-racistas que se desdobram em superexploração da força de trabalho de mulheres outrora estigmatizadas.