Aprendi com minhas mais velhas que o feminismo negro começa de fato na ancestralidade, com os Orixás quando Nanã reúne as mulheres (nossas sagradas Yágbas). Nunca me esqueci disso, e mais ainda comecei a pensar que a resistência e a capacidade das mulheres negrxs em permanecerem vivas em um sistema de múltiplas exclusões só poderia vir de uma memória ancestral.
Embora o feminismo hegemônico não reconheça a capacidade de organização, a resistência das mulherxs negras é de longa data, pergunto-me até se resistência não faz parte da nossa própria essência, estávamos organizadas e resistindo em África, nos navios negreiros, nas senzalas, nos terreiros e assim permanecemos nos dias atuais nas ruas e favelas, porém em meio a tudo isso por vezes nos deparamos com um feminismo branco que nos induz ao seu padrão de empoderamento, mas digo: Mulheres que carregaram as memórias de um continente em suas cabeças são sim empoderadas!
E porque a ancestralidade nos importa? Porque crescemos e aprendemos umas com as outras a sermos mulheres negras! Considero hoje minha mãe a primeira feminista negra que conheci, uma mulher negra que dormiu com uma criança no colo por mais de trinta dias na rodoviária aprendeu nas lições da rua a palavra resistência e desde meus primeiros passos me mostrou que eu precisaria resistir à invisibilidade. Naquela época eu ainda nem sabia o que era feminismo, mas a memória ancestral me faz entender hoje de onde vem à força que tenho para resistir à violência e invisibilidade cotidiana, é mãe a senhora sabia das coisas.
Atribuo nossa resistência à memória ancestral porque nossa história não é contada nas páginas dos livros acadêmicos nosso aprendizado vem do olhar e ouvir, a oralidade é o fio condutor que tem repassado as lições de resistência por séculos, nosso feminismo se fez no fundo da cozinha, naquele sábado que nunca terminava trançando os cabelos, naquele tapa que você ganhou sem saber por que, naquele não que você ouviu repetidas vezes e que já estava te treinando para as coisas da vida. Mas apesar de parecermos tão duras, a ancestralidade também nos ensinou a política do afeto que precisamos resgatar, ela foi ensinada no açúcar emprestado da vizinha, do vestido de festa emprestado da prima, naquela blusa herdada da irmã, naquele prato que já era tão pouco e mesmo assim a gente conseguia dividir.
Acredito que nossa resistência deve-se dar com ternura, ser forte e ancestral, mas fugindo da solidão e amargura que esse sistema impõe as mulheres negrxs , sabe aquele momento que você sai na rua e alguém torce o nariz pro seu cabelo? Que você não passa em uma entrevista por não ter “boa aparência”? Que acham que seu corpo é de carnaval, mas que no outro dia você levanta de cabeça erguida e black empinado? Só pode ter uma explicação: Nosso feminismo negro é realmente ancestral, e todas que vieram antes de nós enviam muita força pra formar essa resistência, que contrariando as estatísticas nos faz sambar na cara da sociedade!
Axé!
A todas as guerreiras negras que vieram antes de nos! Salubá Nanã!
Imagem de destaque – Arquivo pessoal.