Quando militamos, encontramos novos conteúdos diariamente, pois o ativismo é diário e repleto de novos aprendizados por meio de outras mulheres ou mesmo pelas nossas vivências. Também é pela militância que espaços fora do nosso costume passam a ser frequentados, por exemplo uma das maiores faculdades de comunicação de São Paulo, extremamente cara e composta por menos de dez alunos negros em geral na universidade.
Um ambiente como este é composto por pessoas ignorantes? Vale dizer que isto ocorre especificamente em meios elitistas, neste caso uma faculdade particular, mas pode-se ver facilmente que isto ocorre, por exemplo, na USP. Imagina-se que não, mas buscando detalhes e abrangendo a visão, nota-se muito facilmente quão ignorantes são e podem ser essas pessoas acostumadas a transitar por um local parecido com esse. Grande parte das pessoas não consegue compreender o racismo e tudo o que o racismo carrega e como agride.
Em uma roda de conversa com estudantes brancos e ricos da faculdade de comunicação, grande parte das pessoas interessadas possuía uma ignorância grande em relação ao racismo, as identidades negras e as leis existentes para a criminalização do racismo e e também para a aplicação do aprendizado da cultura afro-brasileira em escolas, colégios e universidades. Além de não terem este conhecimento e também por anteriormente não terem tido em suas escolas este aprendizado, perguntas racistas sempre vêm à tona, sem a percepção geral de que a pergunta realmente é racista. Acreditam que a discussão do racismo se baseia em falar sobre cotas, sobre negros na televisão e amigos negros (?), ficando chocados com respostas nada simpáticas e reagindo com bastante surpresa e incredulidade aos relatos de mulheres negras.
Até que ponto este nível de não conhecimento pode ser perigoso? Até que ponto será mantida a ideia de que mesmo algo sendo racista não é TÃO racista assim? Como é possível nivelar o racismo? Podemos sim entender diferentes tipos de racismo, como o institucional, que possibilita enquadrarmos a denúncia de uma forma mais embasada e política, mas é impossível determinar níveis de racismo, onde poderia ser facilmente compreendida uma ação racista mas não passiva à punição e, isso, não pode existir, porque racismo é sempre racismo e é um crime.
Neste ponto, a ignorância é extremamente perigosa. A partir do momento que ações são consideradas menos racistas do que outras é muito fácil desconsiderar a luta de nossos antepassados e também a nossa luta. Racismo é crime, seja como for, ainda é crime e um crime inafiançável.
Meu ativismo se preocupa muito mais em empoderar cada vez mais mulheres negras, mas depois de ocuparmos este local maioritariamente branco e presenciar futuros publicitárixs dispostos a ouvir reproduzindo racismo na base da ignorância, comecei a me perguntar se também não seria importante auxiliar estas pessoas interessadas em excluir o racismo de suas ações diárias, descontruindo pouco a pouco essa reprodução automática existente por mera ignorância. Para que seja possível o contato dessas pessoas com a cultura, com o conhecimento, para que seja possível desconstruir o racismo dessas pessoas, é preciso que pessoas negras construam e criem conteúdo, textos, que retomemos histórias, que mostremos à essas pessoas nossa real face, nossa real condição e nossa real capacidade, porque somos subestimados demais, mas sofremos todo esse racismo por ignorância de uma população que não tem acesso à informações, por uma mídia controladora.
Antes de ocuparmos este local, duvido muito que as pessoas pensavam da mesma forma que estão pensando nesse exato momento. E a falta de pessoas negras no local fez com que fosse necessário locomover mulheres negras de outros locais para ir até lá conversarem com essas pessoas e ocuparem aquele lugar com toda a sua força.
Me preocupo muito com o futuro. Um local onde ensina comunicação é um local que deve ser ocupado por pessoas negras, quanto mais, melhor. Mas um local deste nível financeiro e também com a trajetória que tem, 10 alunos negros é um número esperado. E com 10 alunos negros essas pessoas terão que se articular para que o racismo seja desconstruído ali, mas ainda assim eu me preocupo com o racismo, porque o futuro da mídia, de certa forma, está na responsabilidade dessas pessoas que estavam nos ouvindo e fazendo perguntas racistas e também na mão de pessoas que são racistas mas nem se interessam em desconstruir isso.
Não é uma questão de ajudar o opressor, mas sim a preocupação do meu futuro na mão de pessoas que não conhecem minha cultura, que não sabem meus costumes e muito menos minhas vitórias, num país que me agride todos os dias por todos os lados.
Abrir certas oportunidades para pessoas brancas para que elas vejam o racismo fora do padrão da televisão, fora do senso comum. Nem todas as pessoas são racistas, nem todas as pessoas racistas são racistas por escolha, muitas pessoas não conseguem entender que são racistas por serem ignorantes ao ponto de não entender o que é o racismo, por permanecerem reproduzindo racismo e por não terem acesso à nossa história, ancestralidade e conhecimento.
A ignorância é extremamente perigosa e se é possível mudar isso, a melhor forma é na base daquelas que estão dentro das áreas de comunicação. Precisamos espalhar nosso conhecimento, para que cada vez mais pessoas consigam ter acesso à conteúdos que nos representam. Pois os menores passos são os que nos levarão mais longe.
Imagem Destacada: reprodução web