A ideia do não lugar é algo que constantemente nos deparamos. Digo isso, porque enquanto mulher, negra e professora universitária, lido com muitos olhares silenciosos e tendenciosos, que se assustam com a minha presença na academia. Para muitos que acham que estar em outra esfera social mudaria a questão racial, não, isso não modifica nada. A sutilidade das relações raciais ainda prevalece, mas nessa nova etapa elas vêm revestidas de uma lógica ainda mais difícil de combater. É como se eu não me encaixasse nesse lugar. Ou que tenha que provar e comprovar sempre que eu tenho direito a estar nesse espaço. É algo que chega a ser cômico, porque causa certo estranhamento e quebra de paradigmas para muitos daqueles que esperavam me ver nos espaços ditos “naturais” para mulheres negras (aqui digo os lugares que culturalmente, se tornaram espaços de ocupação para mulheres negras como o de empregadas domésticas, babás, lavadeiras e etc).
Mesma situação pode ser pensada para tantas mulheres que hoje conseguem a duras penas, se legitimar em carreiras que culturalmente são reservadas aos lugares do masculino. Novamente, nos deparamos com a ideia da quebra de uma sequência linear do que é esperado para cada um dos gêneros. Por que causa tanto desconforto reconhecer o “outro” no pólo oposto do que é naturalmente colocado pela sociedade? Medo da perda de privilégios ou simplesmente preconceito? São questões delicadas, talvez até radicais para quem não consegue pensar o mundo pela ótica do direito a igualdade.
Bom, diante de toda essa situação emblemática fico a me perguntar, se esse lugar não é o meu ou como os lugares são inventados? E se são por quem são delimitados? Ao tocar nesse ponto, chegamos ao cerne onde tudo se antevê que é o imaginário social, esse espaço das ideias que coletivamente se propagam e cimentam as nossas realidades. Pensar por exemplo, nas construções imagéticas de mulheres negras na sociedade de hoje, é lembrar principalmente do lugar reservado a esse segmento que, a saber, ainda é o espaço do não belo, da empregada doméstica, da babá de luxo… e tantos outros lugares demarcadamente naturalizados como o lugar das negras.
Quebrar com esse círculo vicioso, é estar na retaguarda o tempo todo; passar por cima de olhares e pré-conceitos sobre nós mesmas e mostrar a tudo e a todos que somos capazes, que fazemos jus ao lugar que ocupamos, o qual muitas vezes pode nos levar a um adoecimento. Sim, adoecimento, porque não é fácil lidar com as expectativas que o mundo ocidental nos impõe, ou o racismo velado e cruel. Ele dói, corrói nossas emoções, nos aprisiona e nos condiciona a própria servidão. Lembro-me fortemente de uma das minhas entrevistadas no mestrado que me dizia que para trabalhar no comércio tinha que ser bonita e era coisa que ela não o era. O que levou aquela mulher se enxergar daquela forma? Por esse doloroso exemplo, me inquieta saber o quanto o racismo pode causar nosso esquadrejamento ou a própria negação do eu, a tal ponto de refletir a ideia do opressor e reproduzir isso nas nossas atitudes e no modo de pensar e agir.
Creio que o desafio é grandioso, não é fácil da noite para o dia se empoderar ou quebrar esses estereótipos; isso leva tempo e é necessário que haja espaços de desconstrução. Por isso, digo que sou esperançosa e acredito que a educação pode ser esse espaço de reconstrução e desconstrução da ideia de lugares, sujeitos, papeis sociais. Desse modo, é necessário que haja um comprometimento e um olhar para além do reconhecimento dessas hierarquias, mas a tomada consciente e objetiva de uma nova forma de ser e estar no mundo.
Imagem destacada: A personagem feminina chamada Tempestade. Integrante dos X-men nos quadrinhos da Marvel. Porque mulheres negras ocupam os espaços que quiserem ocupar.