Num sábado, dia 11 de julho, fui com um grupo de amigos à choperia Brazooka – Lapa, Rio de Janeiro. Quem me conhece sabe que eu sempre vou nesse bar, sempre comemoro meus aniversários lá, sempre quero levar lá pessoas que estão no Rio passando férias ou algum feriado. Sempre fui muito bem tratada no Brazooka, principalmente pelos garçons que, mesmo com a casa lotada, sempre me foram atenciosos e muito bem humorados, comigo e com os que estavam comigo. Mas nesse dia foi diferente.
A começar que ninguém nos avisou na entrada que, dos R$ 30 cobrados, apenas R$ 20 eram destinados à consumação, os outros R$ 10 eram referentes ao couvert artístico; viemos a saber da informação apenas da hora de pagar, quando amigas nossas que já haviam pagado subiram ao terceiro andar para nos avisar sobre essa cobrança. Pois bem, o problema não foi esse, e a gerente quando questionada devolveu a mim e a uma amiga os nossos R$ 10, disse que não éramos as primeiras a reclamar da mudança que, segundo a gerente, havia começado na noite da quinta-feira anterior – manifestando que os próprios funcionários também estavam sabendo na “novidade” naquele momento.
Com os R$ 10 no bolso, paramos – ainda do lado de dentro – em frente à entrada do Brazooka, que é toda aberta (há apenas algumas correntes e faixas separando a calçada do bar), esperando a gerente e o segurança V. acharem minha comanda e a comanda da minha amiga. Do lado de fora, cinco amigos esperavam pela gente, querendo saber se tínhamos conseguido resolver a questão do couvert e do não aviso dessa cobrança.
Uma das moças que se juntou a gente já no fim da noite, L*. (e que acabou descobrindo ter amigos em comum com outras amigas), perguntou – ainda do lado de fora – se tínhamos conseguido resolver, e que ela também queria reaver seu dinheiro. Nesse momento, o segurança V. deu um empurrão em L*, afastando-a mais ainda da entrada do bar. Seis mulheres – eu, L*, e mais quatro – passamos a questionar aquela agressão, discutindo com o senhor V. que, a essa altura, já estava sendo contido por um outro segurança. As palavras dele para nós, clientes do bar, foram essas: “Podem ir se foder! Vai pro inferno! Foda-se vocês, não precisa mais voltar aqui não! Vai embora, vai!”. Ao que obviamente todas nós respondemos e questionamos e não aceitamos aquelas agressões vindo de uma pessoa que – estivéssemos dentro do bar – deveria cuidar de nossa segurança, e fora dele, não deveria nos agredir física e verbalmente, que foi o que ele tentou e conseguiu fazer. Em resposta aos nossos questionamentos, o segurança V. começou a desferir socos na nossa direção e, por três motivos, não conseguiu nos atingir: 1 – um segurança o estava segurando; 2 – eu tirei a minha amiga que seria agredida da reta dele; 3 – uma outra amiga segurou a mão dele, que talvez tivesse nos alcançado. Nesse meio, a gerente veio até a porta, ficou olhando e voltou para dentro do bar. O segurança V. foi levado para dentro do bar e, mesmo de lá, tentava se desvencilhar do rapaz que o segurava, para partir pra cima da gente de novo. E assim foi durante aproximadamente 15 minutos: o segurança V., claramente transtornado, sendo contido porque – caso contrário – ele viria bater nas clientes do bar que estavam questionando não só um procedimento do bar, como também, a essa altura, a própria postura e despreparo do profissional de segurança. A justificativa do segurança V. para suas agressões foi dizer que ele era homem e que, portanto, tinha que ser respeitado pelas mulheres que estavam ali – no caso, nós: “sou homem e mulher tem que respeitar homem!” – foi o que ele disse.
Parte interna da Choperia Brazooka, na Lapa/Rio de Janeiro.
Com algum custo, conseguimos chamar os agentes da Operação Lapa Presente até a porta da choperia. No meio da calçada mesmo, fomos todas questionadas sobre o que haveria acontecido. Ao segurança V., lhe foi dado outro tratamento: ele foi chamado num canto do bar por um agente e ali permaneceram conversando por alguns minutos. A gerente apareceu nessa hora e disse ao segurança para ele ir à delegacia “que não ia dar em nada, não”.
Pra resumo da história, ficamos até quase cinco horas da manhã na delegacia para, enfim, sairmos com os R.O’s em mãos. Saímos de lá a pé e paramos na esquina da rua Gomes Freire com a Mem de Sá, na calçada. Ficamos ali em pé conversando, tentando ajeitar as ideias e revisando o que tinha acontecido naquela noite. Cerca de dez minutos depois, o segurança V. apareceu montado na moto-viatura de um dos policiais e foi deixado ali na mesma esquina em que nós estávamos, e lá permaneceu junto às viaturas e com mais três amigos que ali chegaram.
O que fica desse fato lamentável: mulheres foram agredidas sob a justificativa de que homem tem que ser respeitado por mulher, que nós tínhamos que respeitar o segurança V. porque ele era homem. Duas mulheres, a gerente do bar e a inspetora, nos foram indiferentes, empatia zero, sendo que a última tentou nos convencer de nem queixa prestar. O segurança V. saiu da delegacia praticamente escoltado por policiais (ele veio numa moto-viatura, enquanto outra acompanhava) e deixado na mesma esquina em que as mulheres agredidas estavam. Certamente por ser segurança de um bar na Lapa, V. deve conhecer aqueles policiais, então contou com a simpatia, boa vontade, amizade e camaradagem de seus amigos policiais, com uma carona que – a pé – daria dois minutos.
Esse texto é uma denúncia de violência que seis mulheres sofreram ao tentar fazer seus direitos de, como consumidoras, saberem exatamente pelo que estão pagando e, como mulheres, serem respeitadas. Ao que pese a situação do homem negro – que sabemos ocupar um lugar desprivilegiado na nossa sociedade, que sabemos obviamente sofrer opressão racial – ainda assim não podemos nos furtar de fazer essa denúncia. Não só porque também partilhamos com esse homem negro da opressão de raça, mas também porque sofremos, nós mulheres negras (quatro das mulheres agredidas são negras), com a opressão de gênero. A fala do senhor V. nos deixou isso muito claro: “sou homem, e mulher tem que respeitar homem!”.
Como feminista interseccional, não ignoro – eu, Gabi Porfírio – que uma denúncia contra um homem negro é sensivelmente diferente e assume um peso diferente numa sociedade que é racista. Não raro, vemos casos de homens negros que são linchados por civis (ou mesmo por militares) sob a desculpa de ser (um tipo) “suspeito” de algum crime. Como feminista interseccional, entendo que uma denúncia de agressão, sendo o agressor um homem negro, deve ser feita com cuidado a fim de que se preserve, ao menos, sua identidade – que deve ser conhecida apenas pelas autoridades policiais. Entretanto, como se trata de um segurança de casa noturna – cuja ficha criminal deve ser analisada antes de sua contratação – e de uma casa noturna frequentada (até então) por mim, por amigos, pela minha família e pela família de amigos, me senti no direito de expor, ao menos, seu nome. Mesmo porque, sempre fui bem recebida e bem tratada pelos outros seguranças da casa. Não queremos vingança, não queremos que o senhor V. fique sem emprego eternamente, não queremos dificultar a vida de qualquer trabalhador, principalmente sendo ele negro. Contudo, jamais nos calaremos quando formos agredidas, quando tivermos nossos direitos violados, venha essa violência de quem e de onde vier.
“Seu silêncio não vai te proteger” (Audre Lorde)
Gostaria de deixar claro que todas nós que sofremos agressão desse senhor estamos com medo da denúncia aqui feita, e já exposta em outras redes sociais. Não sabemos se nossos dados foram passados pra ele ou para os policiais que lhe deram uma “carona oficial”. Eu, Gabriela, que faço essa denúncia e que faço questão de assinar esse texto, o estou fazendo contra a vontade e os apelos da minha mãe e da minha família, que temem o que pode acontecer comigo, pois que não conhecemos as pessoas envolvidas com o agressor, nem o agressor propriamente.
Deixo registrado mais uma vez que sempre ia ao Brazooka. Há três anos comemoro meus aniversários lá e pelo menos duas vezes por mês vou à choperia com amigos. Era um lugar ao qual eu sempre levava amigos que vinham passar férias ou algum feriado aqui, enfim, era um lugar muito estimado por mim.
Mas agora, diante da inércia da choperia, diante do descaso em relação à agressão, é preciso deixar registrado e que todos saibam que O BRAZOOKA MANTÉM EM SEU QUADRO DE FUNCIONÁRIOS UM SEGURANÇA VIOLENTO E QUE AGRIDE SUAS CLIENTES. O senhor V. estava transtornado naquela noite, ele estava fora de si, e se não fosse outro rapaz a contê-lo nós não sabemos o que poderia ter acontecido.
A gerente responsável pela casa no dia nada fez, muito pelo contrário, quando o segurança partiu pra cima da gente ela se retirou do espaço. Quando conseguimos chamar o Lapa Presente, ela desceu e falou para o segurança “PODE IR (à delegacia)! NÃO VAI DAR EM NADA!”
A Lapa é um lugar frequentado pelos cariocas e principalmente por turistas, que adoram esse centro cultural. A segurança dos clientes de casas de show e bares como o Brazooka não deve ser posta em perigo por um funcionário que deveria cuidar exatamente de nossa segurança. Não é preciso dizer que eu tenho medo de frequentar o Brazooka e a própria Lapa, já que alguns bares são bem próximos ao bar.
Pra não dizer que o Brazooka não se pronunciou, eis a resposta deles no meu inbox “ (…)Gostaríamos de oferecer a você um drink e um petisco a sua escolha em nossa casa, por nossa conta é claro. Sabemos que isso não irá sanar todo o desconforto causado a você e suas amigas, mais (sic) gostaríamos muito de ter a oportunidade de mudar essa imagem deixada.” UM DRINK E UM PETISCO. Só pode ser brincadeira! Garantir a segurança e o compromisso do bem-estar de seus clientes daqui por diante seria mais útil, pertinente, louvável e – acima de tudo – o correto a se fazer!
Fico me perguntando se o dono da casa ou se o Grupo Matriz (responsável pelo Brazooka, assim como pelo Teatro Odisséia – que fica ao lado do bar – e da Casa Matriz, em Botafogo) está sabendo disso.
Para finalizar, fica aqui não uma pergunta, mas uma resposta: é por isso que nós, mulheres, precisamos do feminismo.
Imagem destacada: Fachada da Choperia Brazooka (Lapa, Rio de Janeiro).