Por Luara Vieira para as Blogueiras Negras
Não é novidade que a estética negra – expressão entendida como conceitos e juízos de beleza baseada nas características da população negra – não é valorizada em nossa sociedade, diga-se de passagem, uma sociedade extremamente racista, que tenta a todo custo dissipar qualquer manifestação de negritude contida na mesma. Pois bem, estou passando por um momento muito importante para meu amadurecimento como mulher e negra, que é: transição dos cabelos. Há mais de um ano venho ensaiando essa mudança, que pra mim não é apenas uma mudança estética, é muito mais que isso, é um momento muito especial, em que me reconheço como negra, enxergo meu cabelo como bonito independente do que a sociedade considere como belo, amo meus traços, minha ancestralidade, enfim, enxergo-me negra para além da cor da pele.
Desde que o desejo de retornar ao meu cabelo natural começou a ficar forte, beirando às vezes ao desespero por vê-lo com duas texturas (meio crespo, meio alisado), passei a procurar na internet meios que me auxiliem na passagem desta fase, pois trata-se de uma escolha difícil e muitas vezes sofrida. Afinal, são dez anos usando química e uma vida inteira ouvindo o quão feio é meu cabelo. Além de procurar em blogs, vídeos e páginas, todas as alternativas possíveis para enfrentar esse momento, deparei-me com a falta de locais especializados no cuidado de cabelos crespos na cidade onde moro, Maringá-Paraná, fato que me causou uma grande decepção, pois, por tratar-se de uma cidade de médio porte acreditei que encontraria ao menos algumas opções de salões especializados. Triste engano.
Mesmo tendo conhecimento de que a estética negra é extremamente desvalorizada socialmente, a minha crença na existência de lugares especializados talvez tenha se dado pela necessidade de refugiar-me de uma estrutura violenta e opressora, principalmente, quando se trata dos cabelos. Não queria mais agredir minha estética, mas precisava me sentir auxiliada de certa forma. Da última vez que alisei meus cabelos, sai do salão com a certeza que nunca mais voltaria lá (pelo menos para fazer química), chorei o caminho todo até chegar em casa e passei muitos dias pensando como seria bom encontrar alguns lugares para cuidar dos meus cabelos e das demais meninas crespas que existem por aqui. Sinceramente, não sei explicar ao certo o porquê dessa esperança, visto que sou ciente da invisibilidade estética com que somos tratadas. De todo modo, a esperança manteve-se até o momento que percebi de fato não haver nenhum local especializado por aqui (pelo menos não encontrei até hoje).
Além de me entristecer, este fato me incitou uma reflexão diferente das que eu já havia feito, acerca da desvalorização estética da população negra e em especial do cabelo natural. Me pus a pensar o que faz com que sejamos tão invisibilizados dentro de uma sociedade, visto que, segundo o SAE ( Secretaria de Assuntos Estratégicos) dos 35 milhões de pessoas que ascenderam para a classe média, nós negras/os somamos 80% do total, ou seja, somos consumidores ativos como qualquer outro e no entanto temos nossas especificidades constantemente ignoradas, não nos vemos representados nas campanhas publicitárias, nas novelas e filmes, nas revistas etc. e quando por ventura aparecemos nesses locais somos retratados de modo negativo, carregados de estereótipos, vide a “bela homenagem” feita pelo estilista Ronaldo Fraga, colocando palhas de aço na cabeça de modelos brancas para retratar, segundo ele, a “representação da cultura negra”.
Diante disso, me pergunto constantemente por que nossa estética não é representada e o porquê de não encontramos lugares especializados em nossa beleza? Será que não somos bonitas/os? Ou não somos consumidores? As respostas a esses questionamentos são facilmente encontradas quando levamos em conta que vivemos em uma sociedade racista, sexista e elitista, onde pensar a estética negra parece ser o último dos esforços das empresas, dos publicitários e das mídias em geral, já que estão há séculos nos estereotipando, dizendo que não representamos o belo, adjetivando nossos cabelos ora de “cabelo de bombril” ora de “cabelo ruim”, tentando a todo custo ofuscar a beleza que trazemos em cada traço. Portanto, creio que a questão de resgatar e difundir a estética negra não seja meramente um ‘golpe’ comercial, há de fato uma luta política por trás disso, existem milhares de autoestimas sendo construídas ou reerguidas, principalmente a das mulheres negras, já que estas são as que mais sofrem com os pré-requisitos de uma “boa aparência” impostos de forma cruel por nossas sociedade, já que esses requisitos geralmente dizem respeito a jovialidade, brancura e cabelos lisos.
Para comprovarmos a existência desses pré-requisitos basta observarmos os anúncios de trabalho e nos depararmos com a exigência de fotos nos currículos, usadas geralmente como quesito eliminatório para aquelas/es que apresentem sua estética fora dos padrões estabelecidos. Desse modo, a exigência de uma visibilidade estética é mais que o consumo de produtos e serviços que sejam específicos pra nossas características, mas é, sem dúvidas um resgate a nossa ancestralidade. O cabelo e seus penteados sempre possuíram uma grande importância para o povo africano, pois, através dele demonstram a ocupação de cada pessoa da nação, sua inserção em novos períodos de vida, dentre inúmeros significados que não chegaram a nós.
Portanto, manter e resgatar o cabelo crespo demonstra um resgate da memória, da cultura e espiritualidade ancestrais do negro. Para Lody (2004) o cabelo é uma marca de procedência e é através dele que o negro marca sua estética perante a sociedade, constituindo também um posicionamento político.
Por isso, precisamos sim nos vermos retratados em todos os âmbitos sociais, pois, representamos uma grande parcela consumidora, movimentamos os diferentes mercados, seja consumindo ou trabalhando. Temos o direito de vermos nossa estética tratada com respeito, para que nossas crianças cresçam com uma autoestima elevada, percebendo desde de cedo que ser negro é lindo e que nossos cabelos crespos, ao contrário do querem que acreditemos, é bom.
É pela necessidade de construirmos uma autoestima desde cedo, que se faz necessário romper com esse padrão estético racista e a todo momento lutar contra a invisibilidade com que somos tratados, para que essa sociedade entenda, com muito amor, de uma vez todas: O NOSSO CABELO CRESPO NÃO É RUIM.
Referências:
LODY, Raul Giovanni. Cabelos de axé: identidade e resistência. Rio de Janeiro: Ed. SENAC. Nacional, 2004. p. 119 e 123
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