Ultimamente comecei a pensar na importância que as mães têm sobre a forma como os filhos irão pensar um dia. Pensei na minha mãe, como ela foi importante na minha formação de mulher negra.
Nossa relação pode ser definida em uma palavra, diferença. Somos completamente diferentes, minha mãe, Regina, é super falante, engraçada, chamativa e super vaidosa. Eu como filha dela, tenho algumas dessas características, mas sem o “super.” A gente briga um bocado, mas nos gostamos muito. Minha mãe foi muito importante no quesito autoestima pra mim, uma das pessoas que mais me falou o quanto sou bonita! Ela sempre repetia isso e repete até hoje. Lembro agora do discurso que a Lupita Nyong’o fez sobre a beleza da mulher negra e como a mãe dela também a fazia acreditar que ela era linda. Desde bebê, minha mãe me enfeitava feito uma boneca, uma boneca preta! A formação de identidade de uma criança negra percorre um caminho muito grande, quando pequenas, nós meninas negras sempre nos deparamos com a vontade ter o cabelo liso e comprido da nossa coleguinha de sala, por exemplo, e ter uma boneca, ou brinquedo que se pareça de fato com a criança faz uma diferença enorme!
A primeira boneca preta que ganhei ainda bebê e que tenho até hoje foi minha mãe quem me deu, espero poder mostrar para minha filha, se eu tiver uma um dia! Minha mãe sempre foi muito cuidadosa com isso, em me mostrar referências negras para que eu me identificasse com elas e com isso, criasse a minha própria identidade.
Usei tranças desde que comecei a ter os cabelos crescendo em forma de carapinha, até os 18 anos, ela conta que quando eu era bebê, ela trançava os meus cabelos no colo! Passávamos 8, 10 horas trançando o meu cabelo, ou até dias! E ela sempre ali, fazendo uma trancinha de cada vez, do jeito que eu queria, longa, fina, grossa, curtinha. Acho que além de diferença, outra palavra que pode definir a nossa relação é “cabelo”. Durante a minha adolescência toda, eu nunca fui ao cabeleireiro, sempre foi minha mãe quem cuidou dos meus cabelos, sempre! E isso de ter o costume de trançar os cabelos crespos e todo o ritual que isso envolve para as mulheres negras com certeza não aconteceu só comigo. Sei de muitas histórias assim, de mães, tias e avós que doavam um pouco dos saberes pra cuidar dos cabelos de suas meninas. As meninas negras saberão do que estou falando.
Pra minha mãe o cabelo é muito importante, ela sempre está em busca do crespo perfeito, sempre me aparece com algum creme novo, ou com alguma hidratação diferente e passamos horas falando de cabelo. Aliás, enquanto eu escrevia esse texto, ela veio me mostrar como o cabelo dela tinha “gostado” da nova hidratação que ela descobriu. E sempre que fiz alguma coisa diferente no meu cabelo, ela estava lá. Foi ela quem raspou minha cabeça, quando eu decidi ficar careca, cortou cada fiozinho com uma tesoura. Também foi ela quem me deu força, na verdade só encontrei a coragem da qual precisava vendo fotos antigas dela, que um dia já foi careca também. Porque minha mãe não é uma mãe simples, ela é muito linda e cheia de pompa, anda sempre cheia de cores, sempre com seus turbantes, colares e brincos. Se não fosse filha de Iansã, seria de Oxum!
Penso que as próximas crianças negras que virão, terão mães mais conscientes de suas negritudes e veremos mais crianças crespas, com suas bonecas pretas, como minha mãe fez comigo há 22 anos. Temos o dever de mostrar para as nossas crianças o quanto elas são lindas, acredito que mães negras devem fazer isso com os seus pretinhos e mães brancas que venham ter filhos negros também, começar a formar uma identidade negra.
A foto que escolhi para ilustrar esse texto é uma foto que tem mais ou menos 19 anos, onde estamos eu e minha mãe, vocês podem vê-la jogando suas tranças e eu sorridente embaixo dela, um pitoco de gente, mas que já sabia da minha beleza. Obrigada Dona Regina, por me fazer a preta que sou hoje! (Ela, quando ler esse texto, vai reclamar um monte só pelo “Dona”).