Imagem: Helida Costa
No corpo docente da pós-graduação no Brasil falta letramento racial dos professores, principalmente os brancos, para lidar com as pesquisas sobre e feitas por pessoas negras. As produções de pesquisadores e intelectuais negros têm sido bastante difundidas, mas a escolha de lê-los e usá-los devidamente não tem ocorrido. Cada dia se depara com a branquitude que sente o seu ego racista ameaçado, desqualificar epistemicamente tais produções e a desculpa é porque “Gramsci discorda” ou algum outro teórico branco não concorda.
Às vezes, já que sujeitos negros no corpo docente da pós-graduação são raros, quando os encontramos, uma parte significativa está alinhada epistemologicamente à cosmologia europeia e brancocêntrica. Há ainda aqueles professores negros que usam da pauta racial como objeto de estudos, porém possuem uma necessidade de se adequarem ao espaço acadêmico branco, ora para não sofrer, tendo sua permanência dificultada pela branquitude, ora porque acreditam muito na tradição acadêmica da forma como foi configurada. Não sei se isso é algo que se deva julgar, as pessoas se defendem da forma que podem, porém, é importante apontar que, independente de qualquer coisa, se esse professor(a) negro(a) serve à branquitude ao ponto de prejudicar pessoas negras, é indefensável. Precisamos questionar os nossos, principalmente quando eles não se veem dentro de uma coletividade preterida e violentada historicamente.
Recentemente, eu assisti a uma banca de defesa de tese em que a pesquisadora em busca do título de doutora era uma mulher branca. Ela propunha decolonizar uma teoria de sua área, apesar de não ser negra, e o momento teve situações difíceis. A banca era composta por duas professoras brancas e um professor negro. As brancas fizeram jus à branquitude, mostraram seu incômodo com o termo branquitude (que já é pejorativo por sua natureza colonial). Uma alinhada à decolonialidade, outra ao feminismo branco e ao marxismo, ambas um espetáculo da branquitude. A pesquisadora que defendia a sua tese chegou a ressaltar que se o corpo dela fosse negro, talvez a coisa seria mais difícil. Eu tenho certeza de que seria! Quando corpos brancos dialogam entre si, há certa cortesia, sobressaem outras questões: o ego, o elitismo, a hierarquia de poder etc. No final, todo mundo sorri um para o outro.
O professor negro que fazia parte da banca, a partir de uma teoria francesa, analisava as falhas do trabalho, que estava alinhado a uma teoria anglo-saxã. Porém, alguns de seus argumentos causaram-me estranhamento, a sua ausência de letramento racial, apesar de ser um sujeito negro, fazia-me refletir que sim, o letramento racial precisa ser para todo mundo. Nem tudo que é preto reluz consciência racial.
Ah, antes que me venham dizer “nem tudo que é branco reluz colonialidade”, eu aponto meu afropessimismo e digo que sim, reluz sim, principalmente quando é perpassado por mais de um eixo de privilégio em sua identidade.
Aos/às professores(as) brancos(as), digo: não sejam péssimos leitores das pesquisas feitas por pessoas negras ou de qualquer outra pessoa que vise contribuir com a decolonialidade do saber. Acredito que, ao se descolonizar o saber, de alguma forma, contribui-se com a decolonialidade do ser e do poder. Poder, saber e ser estão interligados. A defesa de uma pesquisa não deveria ser para ninguém um momento de traumas, se estamos falando de construção de saber, a discordância pode ser feita de modo humanizado, principalmente quando se trata da área de ciências humanas.
Docentes do Ensino Superior do Brasil, o uso superficial da intelectualidade negra não é letramento. Leia e se questione. Fure a bolha de privilégios e não assassinem os(as) intelectuais orgânicos(as) [Ver Gramsci]. É preciso um basta em sermos violentados durante as nossas etapas escolares, desnormatizem a violência nesses espaços. Enfim, precisamos retirar do espaço acadêmico a lógica da plantation e reforçar a ideia de pensamento crítico e decolonial.