Quando iniciei essa longa e árdua aventura de uma mulher negra no meio acadêmico não sabia bem o que eu queria ser, mas tinha certeza do não queria: tornar-me empregada doméstica como minha mãe. A educação ou o acesso a ela parecia a grande promessa de ascensão socioeconômica para ainda menina negra tornar-se uma grande mulher “bem sucedida”, sinto-me privilegiada, pois os cinco anos de diferença para minha irmã mais velha livrou-me da obrigação de trabalhar antes dos 18 anos para ajudar em casa, e com isso concluir o ensino médio mesmo na escola pública foi por isso mais fácil.
A ideia de fazer o vestibular para uma universidade pública foi de fato um pouco ingênua sem mensurar o que significava mudar de um interior para a capital e mergulhar em um mundo que até então parecia um sonho. De forma inesperada o sonho aconteceu e logo se tornou um pesadelo, a realidade de uma universidade pública branca e burguesa me mostrou da forma mais hostil possível que eu era de fato uma mulher negra e não cabia ali, logo o sonho da ascensão socioeconômica via educação levou-me justamente ao lugar de onde fugi: recorrer ao serviço doméstico e além dele ao telemarketing para garantir a subsistência e concluir a graduação, nessa mesma realidade encontrei diversas irmãs negras que ali também chegaram atraídas pela mesma promessa que eu.
O que aprendi com essa época é que minha identidade como feminista negra ali se forjava, imaginava naquele instante que parte do problema enfrentado pelas negras acadêmicas devia-se ao fato de sermos poucas e assim não tínhamos força suficiente para enfrentar a má fé institucional e pontuar naquele lugar nossas questões, pensei então que era preciso vencer essa fase e prosseguir na produção do conhecimento para denunciar esse modelo de educação excludente, e tornar o caminho mais fácil para minhas irmãs. E com muitos tropeços assim fiz e muitas outras fazem…
Hoje já no mestrado ainda não sei se posso comemorar como mulher negra o meu sucesso em ter acesso à educação, quando olho para minhas poucas irmãs negras também nessa trajetória percebo que nossa cor ainda importa mais que nosso curriculum e ao mesmo que nos cobram um desempenho duas vezes melhor nos oferecem cem vezes menos condições de subsistir nesse meio. Mais uma vez a condição socioeconômica que me impulsionou à aventura pela educação obriga-me a retornar ao tão recusado desde inicio trabalho doméstico e ao telemarketing para garantir a conclusão de meu mestrado em uma universidade pública, nesse ponto minha identidade racial e de gênero me faz refletir se minha ascensão social será realmente possível e, além disso, se todos esses títulos me auxiliarão no empoderamento de outras irmãs negras.
A resposta a isso ainda não tenho, mas a essa altura mesmo que a promessa inicial de ser uma mulher “bem-sucedida” através da educação não se cumpra o prazer de incomodar e ainda que minimamente abalar o funcionamento de uma estrutura que por um lado me “inclui” e por outro faz de tudo para que eu não permaneça é inigualável, mesmo longe de alcançar o objetivo econômico inicial tornar-me uma preta “doutora” será meu agradecimento a esse sistema educacional que ao não me acolher endureceu a carne e despertou a guerreira negra que desde o inicio dessa jornada já existia e que não se formou em mim dentro das salas de aula.
Axé
Nzinga Mbandi