Nos vários espaços de militância sempre dizemos que o pessoal também é político. O que faz todo sentido, porque muitas das nossas vivências se fundamentam na reprodução de um sistema misógino, capitalista e racista. No entanto, eu gostaria de acrescentar: se o pessoal é político, o nosso corpo também o é. Nesse contexto, quero focar no corpo negro sob dois aspectos: físico e espiritual.
As mulheres negras, assim como as índias, ao longo dos anos têm transmitindo seus saberes sobre o uso de plantas e banhos medicinais, ensinam como não infectar nossos corpos com remédios manipulados quimicamente porque já descobriram como curar sem agredir. Também são as mais velhas que nos incentivam a assumir nossa cor, nossos cabelos e corpos. Não como objetos sexualizados, mas como corpos preparados para uma guerra, onde é preciso resistir e ocupar os espaços que nos são continuamente negados. Onde é preciso fugir da polícia, mesmo sem ter roubado, que é para não virar estatística das desculpas do Estado.
Elas também nos falam da importância do parto natural, nos empoderam sobre nossa capacidade de parir e sermos mães sem que nos entreguemos à comercialização da maternidade, que começa no parto e continua a querer ditar e padronizar nossos cuidados com os pequenos. Nas senzalas, ou tentando fugir delas, nós lutamos. Resistir é nossa essência! Os ensinamentos, as vozes, os gritos das nossas ancestrais é resistência politica que se faz através dos nossos corpos!
Da mesma forma, a cada reza dada, a cada turbante exibido com orgulho, a cada gira dançada e a cada vez que não permitimos que o racismo e a intolerância religiosa menosprezem nossos rituais, nossos orixás e mestres, resistimos! A resistência dos nossos corpos se faz presente nas religiões afrobrasileiras porque é mais que religiosidade. É resistência política através do exercício de uma espiritualidade ancestral que até os dias de hoje é atacada e deslegitimada pelo simples fato de não ter sido forjada por brancos e burgueses.
Nossos corpos são signos de luta, da construção da nossa identidade. Nas senzalas, quilombos, terreiros e periferias, nós sempre nos ajudamos, consolamos e empoderamos umas as outras. Juntas, cuidamos dos nossos filhos. Juntas, trançamos nossos cabelos e dividimos nossas dores e compreendemos as de nossas iguais. Desde sempre nos organizamos para resistir! Ainda somos nós que estamos a servir na lavoura ou na casa grande.
Então, antes de tentar ensinar a uma mulher negra o que é feminismo, o que é opressão ou sobre como se organizar, lembre-se que nossos corpos resistem antes mesmo da primeira vertente feminista começar a ser discutida pelas esposas brancas dos nossos senhores. Sempre protagonizamos nossa história, não precisamos que falem por nós ou nos ensinem como e pelo que militar. Nosso corpo é político.
Construir um feminismo negro não é uma oportunidade de organização para nós. É uma oportunidade de aprendizado e desconstrução para vocês, mulheres brancas. É uma oportunidade de rever conceitos e compreender que ou o feminismo será antiracista ou não será.
Imagem destacada: I love Being Black