A força exercida sobre algum objeto ou superfície é chamada de pressão. Ela
corrobora para o rompimento, movimento ou mudança do estado das coisas. Na
panela de pressão, a temperatura da água se eleva, sobem bolhas com vapor de
água e a borracha da panela mantém alta a temperatura. Com a ebulição, os
alimentos amolecem.
Na política institucional, o estado das coisas também se altera com a
pressão. Os movimentos sociais, manifestados, principalmente, através da
esquerda enquanto política social, ilustram esse panorama. O sistema é resultado
de uma construção que foi reproduzida como referência. O arquétipo da política é
excludente: feito por poucos e para poucos.
Com ações em desacordo com o que está estabelecido, somos facilmente vistas como rebeldes. Nosso conjunto de ações é colocado como tentativa de revolução apenas porque o parâmetro ainda está nas mãos de quem prefere que a estrutura permaneça como sempre esteve. É nesse ponto de solidez que escolhemos fazer pressão.
Com origem na vivência brutal das desigualdades, das contestações sociais
como o movimento sindical, que visava defender o direito dos trabalhadores, outros
grupos com objetivo de defesa de direitos surgiram. Para conquistar esses direitos,
tivemos – e, hoje, podemos usar o verbo no presente, porque ainda temos – que
pressionar quem já tem direitos garantidos para angariar os nossos próprios.
Inclusive, são essas as pessoas que têm o poder nas mãos, o que falta é
compreender que esse poder não é somente uma escolha de quem está dentro. Ao
tomar consciência dos processos de opressão que sofremos cotidianamente, e nos
opormos às suas amarras, deixamos de ser massa de manobra. É o que ocorre com
a questão do etnocentrismo, de acordo com Lélia Gonzalez. “Na medida em que
você é socializado, você recebeu uma carga cultural (classificação, valores,
significações, etc) muito grande, e você vai olhar o mundo através dessa
perspectiva crítica. Mas há ‘etnocentrismos’ e ‘etnocentrismo’, mas no nosso caso,
no caso negro, vemos o seguinte: as nossas instituições sempre estiveram abertas
aos brancos e a recíproca não é verdadeira”. Compreender que a violência é
perpetuada pela estrutura, é não se enxergar nela e agir para alterá-la.
Nós (que vamos às ruas, que ocupamos espaços, que buscamos e
oferecemos visibilidade ao que é diverso, que não permitimos que nos silenciem)
somos um recorte dessa compreensão: o coletivo tem força e poder. Em conjunto,
reunimos uma vontade em comum e fazemos dela causa de luta. Pressionando
poderes e pessoas a olharem para nós e ouvirem nossas vozes – que ecoam das
minorias sociais, mas não são poucas.
Foi dessa forma que mudanças ocorreram. Neste ano, as eleições batem
recorde de candidaturas femininas, negras, indígenas e trans, porque a diversidade
tem sido estimulada. Isso se deve muito em razão do trabalho de movimentos
sociais, que há anos discutem a importância da pluralidade de atores no pleito
eleitoral. Mas o avanço resultante da pressão não é integral, tampouco definitivo.
Ao mesmo tempo que candidaturas femininas batem recorde, partidos –
incluindo os de esquerda – usam do incentivo em capital, que os partidos recebem
por incluírem mais mulheres na política, para beneficiar a campanha política de
homens brancos e cisnormativos. O que evidencia que a pressão rompe o sistema,
mas precisa seguir sendo utilizada para manter a ruptura aberta e, através dela,
criar algo novo e melhor. Como a arte japonesa Kintsugi, na qual se usa ouro para
consertar objetos em cerâmica quebrados. A arte da resiliência diante da
desconstrução de nossas bases.
O que queremos fazer nesta (terra arrasada da) política é um jardim de
inverno. Um local habitável, ensolarado, fortaleza, para florescer e prosperar. Um
local de defesa e promoção da vida. A panela que põe pressão (e pode explodir) é o
caldeirão que cozinha a substância da nutrição, da força e da energia – que é o
nosso amado feijão. A política enquanto um sistema de pressão e a nossa
corpo-política preta, transvestigênere, feminina, periférica e interiorana são nossas
tecnologias. Vem da ancestralidade o uso perspicaz da comunicação – comum,
única, ação.
É dos nossos passos que miramos e fazemos política e feijão agora com as
nossas irmãs Blogueiras Negras. É pra fazer a cabeça e a corpa, no chão e nos
sonhos, pela dignidade de nossas vidas!
Axé Montu