Muito já foi dito e discutido sobre as manifestações ocorridas em várias cidades de todo Brasil no último dia 15 de março, mas eu gostaria de contribuir nesse debate incluindo a questão racial. Todavia, antes, vou evidenciar alguns pontos: sou a favor da democracia, das manifestações pacíficas de toda ordem de qualquer partido, grupo religioso ou movimento social, etc. A democracia nos beneficia com o direito de falar ou apoiamos a quem quisermos e quando quisermos, esse é um dos nossos direitos. Além disso, sou contra a corrupção, ao mal uso do dinheiro público, o caixa 2 nas eleições, à péssima administração que tem tanto tem prejudicado a Petrobrás, o descaso com as promessas de campanha que a presidente tem demonstrado no início de seu segundo governo. Assim, compreendo que há muito o que se protestar/criticar, muito o que se reivindicar ao governo recém eleito.
Porém, os últimos protestos tem sido palco de intolerância, ódio e insensatez contra a presidente, de tal modo que se pede não só o Impeachment, mas a xingam com ofensas machistas, preconceituosas, violentas. Democracia não deve potencializar o machismo e um comportamento misógino, ao contrário, é possível protestar sem omitir o respeito às mulheres. Critica-se exclusivamente esse partido pelos males que afligem o país atualmente como se apenas ele fosse responsável por anos de história, pelas diferentes esferas onde a política se desenvolve e permite a corrupção. Eu não poderia participar de demostrações grosseiras de machismo contra outra mulher, não poderia apoiar uma intervenção militar, não concordo com o pedido oportunista de Impeachment da presidenta, pois não há provas contra ela, não posso compactuar com atitudes recheadas de preconceito e revestidas do “direito à liberdade de expressão e do protesto”.
Vendo as cenas das manifestações pela TV (não fui às ruas pelas razões descritas acima), percebi que houve uma indiscutível divisão de classes, pois os pobres não estava lá ou estava catando latinhas, mendigando em baixo das marquises ou vendendo bebidas. Da mesma forma não haviam negros, eram raros nas imagens. Por que? Porque, no Brasil, os pobres são negras e negros, isto é, a maioria da população negra está nos mais baixos estratos da nossa sociedade, a pobreza tem cor aqui e ela é negra.
Para nós negras e negros, pobres ou não, houve mudanças positivas, aumentou o número de negras e negros nas universidades públicas e privadas, diminuiu a miséria em muitas cidades, a questão racial tem sido discutida inclusive na esfera federal, temos tido um pouco mais de visibilidade, aumentou o nosso poder de compra, os projetos sociais (como, por exemplo Minha casa, Minha vida) nos tem beneficiado diretamente. A população negra não esta indiferente aos graves problemas que assolam esse governo, porém sente na pele os avanços sociais implementados, vê no rosto negro de seus filhos e filhas a alegria de ter brinquedos e roupas novas, percebe a possibilidade de continuar estudando como uma chance de ascensão econômica.
Ainda há muito, muito o que se avançar para diminuir significativamente as desigualdades raciais no Brasil, muito a ser feito para punir e reduzir as práticas racistas entre nós, entretanto, nos últimos anos a população negra e pobre tem sido contemplada pelas políticas públicas desenvolvidas pelo governo federal e isso pode explicar a ausência de negras e negros nas últimas manifestações.
Aqueles que não são negros ou negras percebem essa mudança, mas a vem como um problema, um impedimento à continuidade do seu bem estar, da sua forma cômoda de explorar e manter as diferenças, inclusive dentro da sua casa com seus empregados domésticos (figura rara em outros países, mas corriqueira para as madames brasileiras), que passaram a exigir seus direitos trabalhistas ou se negam a serem explorados (vejam só!!). Eles se incomodam com as pequenas mudanças nas universidades, nos aeroportos, nos shoppings, consultórios médicos, espaços quase que exclusivos para eles, não podem reclamar disso abertamente (o mito da democracia racial não permite escancarar o racismo e a conveniência da exclusão racial) e buscam formas de barrar essas mudanças, ainda que elas sejam pequenas e tardias.
Os não negros das classes média e alta tem muito a reclamar, visto que não querem perder nada dos seus privilégios adquiridos e mantidos durantes toda a história do Brasil, porém felizmente, a história pode demorar, mas muda!