Não disse que a conversa não parava por aqui? Antes de mais nada e mais uma vez, peço licença ao coletivo de mulheres negras do DF, Pretas Candangas, e à Griô Produções, para falar sobre duas griotes da diáspora negra em especial – Jurema Werneck e Patrícia Hill Collins. A primeira é médica, com mestrado em Engenharia de Produção e doutorado em Comunicação e Cultura, coordenadora da ONG Crioula. A segunda é Professora Emérita de Sociologia na Universidade Maryland, Estados Unidos. Duas mulheres negras de luta que nos propuseram discussões bastante oportunas sobre o que chamamos de feminismo negro.
Digo assim porque Jurema Werneck em sua fala Ialodês do Samba, sobre sua tese de doutorado, questiona a terminologia para nos lembrar que a atuação das mulheres negras pela liberdade é anterior à palavra feminismo. Faz o resgate do conceito de Ialodê, título conferido à pessoa que ocupa o lugar mais importante entre todas as mulheres da cidade. Então, antes de tudo, estamos falando de líderes, mulheres reconhecidas por todas nós, sua comunidade. É como se estivéssemos falando daquelas que são nossas facetas públicas, que ocupam uma posição única em termos de visibilidade, urbanidade e empoderamento que nos diz respeito como mulheres negras.
O samba tem sido um lugar de destaque para a ialodês, numa sociedade em que ainda é esperado que não sejamos sujeitas mas sim sujeitadas. Os exemplos são numerosos, falando de pessoas como Alcione, Dona Ivone Lara, Jovelina Pérola Negra, Beth Carvalho, Clementina de Jesus, Leci Brandão. Elza Soares e mais recentemente nomes como Mart’nália, Teresa Cristina. Mulheres que tem sido, com toda justeza possível, as guardiãs de nossa ancestralidade e mais que isso, portadoras e difusoras das mais importantes mensagens de luta, dignidade e conquistas. Muitas vezes através de uma linguagem que só pode ser acessada por sua comunidade.
Já Patrícia Hill Collins falou sobre liberdade através de uma música composta por Ella Baker, We Who Believe in Freedom Cannot Rest Until it Comes que me fez pensar em todas que vieram antes e nas que virão depois de nós. E que nossa principal meta, no que tange a luta pelos direitos humanos é acreditar e construir um mundo que ainda não existe. Como disse Mae Jemmison, que nunca sejamos limitados pela falta de imaginação de outros. E que esta talvez seja a grande lição aprendida no Festival Latinidades, quando esse mundo ganha concretude e nos emociona tanto.
Foi a primeira vez que pude participar do evento e fiquei extasiada em diversos momentos. Ali, entre tantas mulheres negras de luta, mulheres admiráveis, imaginando e construindo esse mundo. Ali nós pudemos denunciar, comemorar, reverenciar os mais velhos e os mais novos, chorar e nos abraçar. A atmosfera estava impregnada de carinho, solidariedade, força. Não há como explicar, pode apenas ser vivido. Foram muitas as lições aprendidas. Humildade, respeito, afeto e reverência para com cada uma de nós e nós mesmas. Então que a campanha agora seja para que aconteça um Festival Latinidades todo mês, porque não vai ser possível segurar a vontade e a saudade até 2015.
Nosso muito obrigada às Pretas Candangas, na pessoa de Ana Flávia Magalhães Pinto, jornalista, historiadora, mulher negra de grande sensibilidade e generosidade. Alguém que, apenas com sua presença, nos fazer aprender tanta coisa sobre a vida. Alguém que fala sobre sermos seres gregários, de compartilhar a batalha, de não esmorecer, de fazermos do afeto nossa grande ferramenta de combate. Alguém que é forte e ao mesmo tempo é muito mais que isso. É farol de dignidade, de conhecimento e de ancestralidade.
Nossa admiração também à Griô Produções, de Jaqueline Fernandes e Chaia Denchen, duas jovens negras de extremo profissionalismo que estão concorrendo ao Prêmio Claudia em 2014. Votem, porque o talento e o poder dessas mulheres merece ser ainda mais reconhecido, mesmo que já o seja por todas nós, dentro e fora da rede. Seu trabalho na organização do maior festival de mulheres negras do país é impecável, um exemplo para todas nós. É a flor do baobá, é inspiração pra mais de metro.
É por isso que já estamos cheias de saudades de tudo que vivemos e vimos.
Até o ano que vem, Latinidades! Que mais uma vez será de arrepiar com o tema Cinema Negro: “Queremos discutir o papel da mulher negra nessa cadeia cinematográfica, o seu protagonismo na produção e também como atriz. Na África, por exemplo, as pessoas não conhecem a vasta produção da Nigéria, em obras que se espalham pelo mundo.”, diz Jaqueline Fernandes.
Imagem destacada – Cerimônio de encerramento do Latinidades.