Aprendi nos livros, nos terreiros que visitei, nos jogos de Ifá, nos caminhos que cruzaram os meus, algumas coisas sobre a morte.
A 1ª delas – e isso pode parecer óbvio à primeira vista – é que ela existe. A morte existe. Entretanto, apesar de vê-la todos os dias, só de fato a sentimos quando um de nós se vai. Mas a morte existe. Obatalá a criou, cansado da ingratidão dos humanos; e quando Olodumare decidisse a hora, Icu viria buscar. E essa é a 2ª coisa: quem decide a hora da morte não é ela, ou nós humanos. Quem decide quando a morte irá buscar é Olodumare.
A 3ª coisa é que a morte é driblável. Os Ibejis o fizeram. Cansaram-na tanto, que Icu teve de negociar com eles: ou parava de levar aqueles cuja hora ainda não tinha chegado ou – a despeito de sua exaustão – nunca mais cessaria aquela dança tenebrosa.
O 4º ensinamento é que é possível voltar. Oxum pediu, e Olofim ressuscitou Obaluaê. Mas Obaluaê viveu pra sempre com o corpo coberto de chagas. Voltou à vida, mas não como era antes do castigo de Orunmilá.
Mas falo aqui de Orixás, divindades, seres de outra ordem. Nada do que aprendi sobre morte me preparou pra esse momento. Mais: tudo que aprendi foi de alguma forma contradito. No dia 25 de outubro, depois de um mês lutando guerreira e bravamente – como um touro – a irmã que me escolheu, que a vida me deu, cujo caminho o destino quis que cruzasse o meu – voltou para o Orum.
Contra o que (e temos tanta certeza disso) decidiu Olodumare, pois não era sua hora. Sem que pudéssemos driblá-la, apesar de termos – cada um com sua fé – tentado. E de uma forma egoísta – pois que teria de viver com eternas chagas – desejamos a sua volta.
O que mais ouvi e li nos dias que se seguiram à sua partida foi que Maira era um sol. Imaginem, a menina que eu conheci que era tão pra dentro, tão ensimesmada, tão pra ela… de uma hora pra outra explodiu em luz em sua própria vida e na vida dos que a cercavam. Eu vi Maira sair de um casulo incomunicável pra um bater de asas que refletiam para além do nosso continente.
E, assim, ela se tornou maior que essa vida. Parece-nos, pra quem ficou, que o mundo já não merecia tanta generosidade, tanta doação, tanta paz que Maira trazia consigo quando chegava em algum lugar.
Maira uma vez disse pra mim que minha presença era – pra ela – inegociável. Isso significava que não importasse o que estivesse acontecendo, ela iria ao meu encontro. E assim foi durante esses sete anos de irmandade. Eu por ela, e ela por mim. O silêncio, que pra ela sempre foi um sinal de descontentamento, entre nós era apenas o momento em que a amizade se fazia tão plena, que nos sentíamos à vontade para apenas estarmos ali na presença uma da outra.
Orum, há uma semana foi essa a pessoa que recebestes. Recebestes o sol. Daqui, ficamos com a sensação amarga de que poderíamos ter estado sob seu calor só mais um pouquinho. Daí, esperamos que se faça jus à imensidão que foi Maira. Que é Maira.