Sou aluna do terceiro ano do curso de Bacharelado em Física Biológica, oferecido pelo campus da Unesp em São José do Rio Preto e, o meu desafio por ser mulher em uma ciência completamente machista é duplicado por ser negra.
Há dias em que sou a única mulher na sala de aula e o acanhamento de me posicionar sobre alguma questão ou, até mesmo de tirar dúvidas, é frequente. Não pela falta de conhecimento, mas sim pela intimidação que causa estar numa sala onde o professor e os alunos são homens, são brancos e o debate é sobre uma ciência fundada nas raízes do machismo e do preconceito racial.
De Isaac Newton à Daniel Bernoulli, de Ernest Rutherford à Steven Hawnking: a Física é uma ciência idealizada por homens brancos. Mesmo que nos lembremos de Marie Curie, quantas mulheres que contribuíram para a Física nós conhecemos? Melhor ainda: de quantos físicos negros nós nos lembramos do nome? E, se um dia mulheres brancas eram proibidas de fazer pesquisas no âmbito acadêmico, quem dirá as mulheres negras!?
É bem fácil constatar que o curso de Física oferecido pela Unesp de Rio Preto não contempla a mulher negra: o corpo docente é composto por homens brancos, com exceção de uma mulher, branca e bióloga de formação. Dos alunos, apenas uma minoria é negra e, com o filtro do vestibular de uma universidade pública, é coerente que pessoas negras sejam facilmente eliminadas ou nem cheguem a se inscrever no vestibular, tanto é que no meu ano de ingresso, em 2013, a Unesp sequer havia aderido ao sistema de cotas raciais.
Entretanto, o pior de tudo não é ser a única mulher negra dentro da sala de aula. O pior de tudo não é ter que aturar pessoas inconvenientes escondendo objetos no seu cabelo. O pior de tudo não é ser chamada de “nega maluca” por usar um batom chamativo. O pior de tudo não é ter professores que não vão com sua cara por você ser mulher, ser pobre, ser negra e estar cursando exatas numa das melhores universidades do país. O que mais indigna é ver o racismo velado escondido pelos corredores, se revelando somente quando alguém aponta sua existência e os privilegiados se sentem incomodados. Indigna estudar em uma instituição onde a Associação Atlética, divulga um vídeo onde um aluno branco pratica black face para encenar uma entidade do candomblé e ridicularizar religiões de matriz africana. Indigna ouvir piadas racistas todo santo dia no inicio das aulas, piadas feitas na maioria das vezes por um aluno negro. Indigna também é ver que fatos como esses têm enorme aceitação pelos alunos.
Indigna também o silenciamento e a negligencia que sofremos dentro do campus. Falar sobre o racismo velado é inaceitável e, se você é mulher negra falando sobre esse assunto, é o momento em que ele se destila mais ainda para te consumir. Ironicamente, quando o protagonista da nossa luta se torna homem branco, ele é aplaudido.
Porém, o maior baque que sofri até agora, foi ao ser rechaçada pela turma após fazer uma reclamação informal sobre um docente. O mesmo, segundo o próprio coordenador do curso, já havia recebido outras reclamações por parte de alunos de outros anos que se sentiram prejudicados por conta de seu método avaliativo, ou seja, pela incoerência do conteúdo dado em sala e cobrado nas avaliações. Mas, após a reclamação ter sido feita por mim e o docente ter sido comunicado sobre a insatisfação de boa parte dos alunos, uma testemunha relatou que na aula seguinte – em que eu não estava presente -, o mesmo havia chegado nervoso e questionado a turma sobre as reclamações e, durante a discussão, uma aluna pede a voz e diz que os responsáveis haviam sido um “viadinho” e uma aluna que ela poderia até “citar a cor”, se referindo, obviamente, a um amigo intimo e a mim. Depois disso, vários comentários maldosos foram feitos a meu respeito, chegando ao ponto de um aluno me humilhar fora das dependências do instituto, dizendo que ele próprio havia dito a outros alunos que eu fiz tais queixas sobre o docente porque eu era “retardada” e “doente mental”, além de falar comigo em tom alto e com zombaria. Após sentir muito medo e faltar em várias aulas, eu e meu amigo que também foi injuriado, redigimos uma carta à direção pedindo que os alunos envolvidos fossem convocados para uma reunião a fim de termos esclarecimentos. Após um mês, apenas nós dois, uma testemunha e o aluno que me agrediu verbalmente compareceram.
O aluno se justificou dizendo que eu sou “histérica” quando fico contrariada e negou todas suas atitudes perante a instancia maior. Depois de quatro meses, uma nova reunião não foi convocada e, por ter tido muitas faltas e perdido o conteúdo, eu fui reprovada nessa disciplina e sei que isso com certeza pode me impedir de conseguir auxílios da universidade e bolsas de iniciação cientifica por mérito acadêmico.
Além do prejuízo acadêmico, a perseguição contra minha pessoa só se intensificou. No primeiro dia de aula deste ano, ao ver uma frase que considero preconceituosa e desrespeitosa escrita na sala do departamento de física que é destinada aos alunos, eu me manifestei por meio de uma rede social problematizando o motivo de eu achar que aquilo era racista.
Como esperado, fui rechaçada pelos alunos e, além disso, dessa vez sofri ameaças. Eu, obviamente, não esperava que as pessoas teriam noção de que a frase escrita na lousa da sala de estudos fosse racista, entretanto me deparei com opiniões do tipo:
Logo em seguida, respondi esse e outros comentários, voltando a dizer a minha intenção com o texto e minha indignação com as respostas. Eis que um dos autores dos comentários acima responde novamente quando digo que sua frase é uma forma de apagar vivencias de pessoas que sofrem racismo e que, por ser branco, ele não deve opinar sobre o que é ou não é racismo ou o tipo de frase que deve ou não me ofender:
O mesmo me responde outra vez, dessa vez com ofensas:
Após eu responder que não estava o comparando, e sim o chamando de racista, vários outros alunos começam a fazer comentários de zombaria e o mesmo volta a me ofender. Outros alunos se pronunciam dizendo que eu estou praticando racismo reverso e que discrimino brancos. Inclusive, o aluno que escreveu a frase que me incomodou, se manifestou dirigindo ofensas pessoais a mim:
Após desativar as notificações da postagem e tentar pensar em providencias legais que poderiam ser tomadas quanto às ofensas, um dos alunos envolvidos faz a seguinte postagem no grupo direcionado à estudantes do Instituto, que conta com mais de cinco mil membros. A postagem claramente ameaça me expor:
Apesar de fazer quase um mês que esse episódio ocorreu, tenho medo e me sinto impotente. Não me comunico com os colegas de curso e evito o máximo possível ir até a faculdade. Mas, eu quero deixar um pronunciamento sobre toda essa perseguição, racismo velado e preconceito que venho sofrendo na Unesp de Rio Preto há quase três anos:
Eu não tenho medo de lutar a favor dos meus direitos! Eu já passei 20 anos da minha vida calada diante de racistas que podiam me ofender da forma que bem entendessem e ficar impunes!
Estudem mais e aprendam que seus privilégios raciais e sociais, brancos, não permitem que racismo reverso exista em nossa sociedade patriarcal, machista e racista!
Estudem mais e aprendam que vocês não devem decidir o que é racista ou não! Vocês não têm direito de tirar nossa voz e invisibilizar a nossa luta!
Chega de racismo na Unesp de Rio Preto!