Minha cabeça estava fervendo depois que eu terminei de ler a entrevista da pensadora Sueli Carneiro na Revista Cult 223, em maio de 2017. Não sabia exatamente o que estava acontecendo, mas era um turbilhão de ideias e sensações que aquela leitura tinha provocado! Comecei a fazer conexões com várias emoções e pensamentos que já tinham me atravessado em algum momento da vida e, como resultado destas conexões, outros pensamentos e emoções novas me atravessaram e me afetaram depois. Obviamente, já tinha lido outros textos brilhantes da Sueli Carneiro mas sabe quando você lê alguma coisa na hora certa?! “Diria que ocuparmos esses espaços [na mídia] é revolucionário!” disse Sueli logo no começo da entrevista.
Aí eu lembrei que há cerca de dez anos, uma repórter conhecida, às voltas com uma pauta de 20 de novembro (única época do ano que lembram de entrevistar negros), me perguntou se eu conhecia algum negro ou negra bem-sucedido e influente. E eu não consegui lembrar de ninguém a um grau de separação para indicar. “Como eu não lembrava de ninguém? Como eu não tinha alguém do meu círculo de amizades e contatos que fosse bem-sucedido e influente?” Essa constatação me gerou uma angústia imensa que se alojou em mim por muito tempo! Os negros e negras bem-sucedidos e influentes não existiam ou, exceto os poucos “globais” e popstars, estavam invisibilizados?
E aí a Sueli continua “(…) nos últimos tempos nós temos conseguido (sobretudo, graças à internet) que uma multiplicidade de vozes passe a se expressar, alcancem alguma ressonância e visibilidade na esfera pública. Isso impacta, inclusive, formadores de opinião hegemônicos (…) os obriga a dar algum tipo de resposta a essa demanda, tendo em vista também que ninguém vai voltar para dentro do armário, nós não vamos voltar para a senzala. (…) nunca tivemos um ativismo tão vibrante e tão capaz de vocalização como neste momento, sobretudo das mulheres negras. Esse conjunto diverso de gente negra em movimento é algo que me faz ter esperança na resistência. ” E citou muitas das jovens negras influenciadoras como a própria Bianca Santana que a entrevistava, a Djamila Ribeiro, Stephanie Ribeiro, Joice Berth, as Blogueiras Negras e muitas outras negras incríveis, inteligentes, influenciadoras, cujas ideias eu já acompanhava nas mídias sociais!
Eu fiquei extasiada quando a Sueli me fez perceber esta revolução que estava acontecendo muito perto de mim. Percebi que tem tantos negros e negras fazendo, pensando e falando coisas incríveis que me encheu de orgulho e felicidade e vontade de contar pra todo mundo!
E dentre tantos pensamentos que a leitura dessa entrevista me provocou, tive a ideia de criar um programa de entrevistas em podcast exclusivo com negros e negras de diversos campos de atuação – academia, mundo corporativo, empreendedorismo, mídia, moda & beleza e outros – com a intenção de contribuir (de uma maneira singela) com a repercussão das vozes negras. A ideia foi fertilizada com o lançamento do Catálogo Intelectuais Negras organizado por Giovana Xavier e tem se nutrido com a generosidade intelectual dos entrevistados.
Como ninguém faz nada sozinho, fui conversando e trocando ideias com pessoas fantásticas! A primeira coisa foi entender como se faz um podcast. Comecei a pesquisar e escutar podcasts. Descobri vários estilos, recursos sonoros utilizados, estilos de locução e entrevistas. A partir disso, precisei também lapidar o meu próprio estilo, a minha personalidade como entrevistadora, o que eu já tenho e o que eu gostaria de desenvolver. Descobri que um dos meus pontos fortes é empatia e que não gosto de entrevistador ansioso que interrompe o entrevistado.
Comecei a seguir os meus preferidos e a ler tudo que achava sobre podcast. Aprendi que podcast é a nova fronteira do jornalismo, da ficção e do entretenimento. Nos Estados Unidos, há um “boom” de podcast desde 2015, que tem sido descrito como “a nova era de ouro do rádio”. Segundo dados da pesquisa “Podcast Consumer 2017 (#PodCon17) ”, realizada pelo Edison Research nos Estados Unidos, com 2 mil americanos, o mercado depodcasts apresenta uma tendência contínua de crescimento, com um aumento de 21% a 24% de ouvintes por mês, ao longo do ano. A pesquisa mostrou que 40% dos entrevistados já tinha ouvido algum podcast em 2017 e o público consumidor desta tecnologia está predominantemente na faixa etária de 18 a 54 anos, com um pouco mais de homens que mulheres.
No Brasil, este movimento está começando a reverberar. No Brasil a “podosfera” – termo que designa o universo dos podcasts e as pessoas que os produzem – está em crescimento. Para se ter uma ideia, a campanha #OPodcastÉDelas, que estimula a produção de programas com a participação de mulheres, recebeu mais de 200 inscrições apenas em março de 2018.
O segundo movimento foi pesquisar sobre os equipamentos. Segui o conselho que me deram para investir em um bom gravador portátil, para garantir uma boa qualidade de áudio já que não faria a gravação em estúdio. Comprei o melhor do mercado em 12 parcelas sem juros!
Agora o mais emocionante desse momento inicial foi escolher a vinheta de abertura. Um amigo que possui um estúdio de gravação me ajudou nesta escolha e selecionou uma trilha de tambores africanos! Quando escutei minha voz anunciando pela primeira vez “estamos apresentando mais um podcast Ideias Negras!” foi incrível! Foi aquela sensação maravilhosa de ver uma ideia se concretizar e ganhar o mundo.
No entanto, o mais importante ainda estava por vir – realizar as entrevistas. As minhas primeiras tentativas não foram bem-sucedidas, afinal as pessoas são muito ocupadas e não é tarefa fácil convencer as pessoas a concederem uma entrevista para algo que elas nunca ouviram falar e que sequer existia ainda. E é nesse momento que você percebe que a força superior abre seus caminhos quando é para um bem maior. Quando meu primeiro entrevistado aceitou, senti uma explosão de alegria dentro de mim. Pesquisei o tema e me preparei para a entrevista. As primeiras perguntas saíram um pouco tensas por conta do nervosismo, mas deu tudo certo e a entrevista ficou linda!
Convidei Carine Nascimento, uma jovem negra brilhante, para se aventurar comigo nesta jornada. Colocamos o nosso bloco na rua em novembro de 2017. Está sendo uma experiência maravilhosa na qual eu estou colocando em prática o que eu sei que sei, aprendendo o que eu sei que não sei e descobrindo o que eu não sei que não sei!
Assim nasceu o podcast Ideias Negras com a missão de ser um programa em que negros e negras são os sujeitos de discursos disputando narrativas no debate público sobre temas de seu interesse, ou seja, sobre tudo! Espero que você curta, comente, compartilhe!
Imagem de destaque – Black Enterprise