Escrevo esse texto como parecer desses últimos cinco anos de minha vida. Dos pormenores de envelhecer, do momento em que se deixa de ser menina e se torna mulher, de como sonhos se transformam em objetivos da noite para o dia. De como detalhes irrelevantes se tornam fatos pertinentes e colossais em nossas vivências e o susto de perceber que junto com tudo isso, vem em doses significativas, a tão temida solidão. E em meio a tudo isso lembrar que ser mulher e ser negra é sentir três vezes mais todas as dores.
É nesse momento da vida que o senso crítico dispara, mais cruel e alinhado. De repente brincadeiras não são apenas brincadeiras, conversas superficiais ganham outras perspectivas e a sobriedade finca a ferro a mente e alma. E então não existe outra opção que não seja ser honesta consigo mesma. Não dá mais pra ser de mentira, não dá mais pra fingir que não foi, se torna impossível passar ileso.
Começo a questionar todas as relações, e então percebo o quanto é difícil criar um vínculo de respeito, amor e lealdade. Os amigos que enchiam a folha do caderno de repente não enchem a mão. As paixões que cultivei foram imaturas e solitárias. As coisas que relevei, perderam todo o sentido. Tenho a sensação de nunca ter tido o controle da minha própria vida. Me deixei influenciar, me vendi, abaixei a cabeça quando não devia, fui arrogante demais pra perceber que a mágoa não era do outro, era minha. Relações abusivas, atos imaturos e impulsivos, soberba disfarçada de orgulho. Aquela armadura de mulher forte e que aguenta passar por tudo ilesa começa a trincar e aquele nó na garganta que tanto posterguei aparece maior e mais intenso, abafando, asfixiando, sufocando e trazendo à tona toda aquela dor que fingi não existir mas que nunca deixou de me acompanhar. Quando a gente menos espera chega a conta.
Então percebo que eu tive duas opções: mergulhar no fracasso do que permiti ou emergir resgatando o que perdi, me buscando, me encontrando e tentando ser o melhor pra mim dia após dias. Eu escolhi a segunda opção.
A dor do parto dói, a dor de perder alguém querido dói, a dor de ser uma mulher preta num mundo racista e machista dói, mas não há dor maior que perder de si mesma. Depois ao olhar de frente e ter que assumir suas falhas, sua culpa, em cada dor que te afeta, em cada negação, em cada recusa. Da vontade de entrar num quarto e nunca mais sair até fazer as pazes consigo mesma.
Me dei um tempo e me perdoei, perdoei a todos que me afetaram, perdoei a todos que me feriram, porque só assim pude me perdoar.
A partir daí tudo mudou. Eu que achava que estava velha pra novas amizades e acreditava que amor não era pra mim, que jamais eu seria amada e respeitada por inteiro. Então conheci as pessoas mais incríveis da vida, e pude viver pela primeira vez o tão sonhado e temido amor. No caminho eu conheci pessoas rasas, medíocres, elas não deixaram de existir mas, enfim, deixaram de me afetar.
Passei grande parte da vida na espera do grande amor, o amor revolucionário. Aquele que mudaria minha vida, que viria pra me salvar. No fim das contas eu o encontrei, em mim mesma. E entendi que ninguém faria por mim se eu não fizesse. E quando fiz e me libertei, conheci um alguém pra chamar, pela primeira vez, de meu grande amor e viver a história mais linda e merecida da minha vida.
Essa história é continuidade do que me tornei e do que permiti. Nenhum relacionamento vai salvar a vida de ninguém. Se eu não estivesse pronta, até quando teriam coragem de me usar, me anular, me submeter a resquícios da imensidão que eu mereço? O que seria de mim sem eu mesma? Ninguém vai fazer por você, então faça você mesma, comece agora.
Imagem destacada: por Fernanda Novaes