O mês de novembro é acompanhado de uma movimentação acerca do dia 20, Dia da Consciência Negra, instituído em memória à Zumbi dos Palmares, morto em 1695. A data não é comemorativa, mas sim uma pontuação para lembrarmos-nos do papel de luta do negro na sociedade.
Apesar de estar em vigor desde 2003, a data ainda causa ranço àqueles que desconhecem a história negra ou ignoram sua importância, gerando mensagens errôneas e simplistas como a famosa e enfadonha frase “não precisamos de um dia de consciência negra, mas de 365 dias de consciência humana.” É em cima desta frase que traçaremos nossa análise a partir de agora.
Dizer que somos todos humanos e, portanto, não é necessário definir um dia específico em memória a um povo, é uma maneira rasa e irresponsável de tratar a história brasileira. Embora sejamos todos humanos de acordo com a biologia, uma análise observacional nos aponta que em fatos reais não somos iguais. Como exemplo, temos a campanha que a Anistia Internacional do Brasil lançou esta semana, chamada “Jovem Negro Vivo”, que frisa o número de jovens negros assassinados, traçando um panorama das condições sociais em que estes jovens se encontram. A observação sobre a sociedade ainda nos chama a atenção para o fato de haver menos negros em universidades, mais negros em situação de rua, menos negros ocupando cargos altos em empresas, mais negros encarcerados, mais negros em cargos de servidão.
Apelando para a meritocracia, aqueles que julgam o Dia da Consciência Negra inútil, ignoram fatores primários como condições de moradia e trabalho, que frequentemente tolhem as oportunidades de pessoas negras para que se insiram na sociedade em espaços ainda negados. E então se pode crer que uma das maiores evidências de uma sociedade racista é esta negar o direito do negro lutar por seu espaço.
Em outras palavras: não há nada mais racista do que diminuir a importância do Dia da Consciência Negra.
Esta data, mais do que mero parágrafo em livros de História de Ensino Fundamental, é um esforço para a construção social, o desenvolvimento da identidade em pessoas negras e um fundamental esforço para apresentar ao país uma fatia negligenciada da história brasileira, sempre embranquecida com a ideia de que os portugueses representam o heroico braço que construiu a nação.
Os 365 dias de consciência humana são uma ilusão preguiçosa que impede o acesso à História Negra e faz pousar sobre a sociedade a falsa ideia de que já vivemos em igualdade. Além disso, clamar por 365 dias de consciência humana para serem colocados no lugar da consciência negra é uma forma de silenciar o Movimento Negro e sua luta histórica por visibilidade.
O enfrentamento à sociedade estruturalmente racista seguirá ferindo egos e privilégios dos que até então não haviam sido questionados sobre sua posição social. O racismo é uma ferida aberta, consequência histórica, e irá sempre ser abordada até o dia em que as pessoas negras forem realmente livres.
Imagem destacada: Carta Campinas