Sabemos que até hoje, quase 130 anos após a abolição da escravatura, a população negra ainda está subrepresentada em espaços de poder e, em sua grande maioria, segue ignorada pelas políticas públicas. A lei áurea foi promulgada devido a uma pressão externa e o Brasil foi o último país das Américas a assiná-la. No entanto, no dia seguinte à promulgação da lei, a população negra não tinha para onde ir e os ex-escravizados continuaram trabalhando em condições análogas à escravidão.
Sabemos também que os escravizados não tinham acesso à educação e eram considerados como mercadoria, destinados a realizar trabalhos braçais, sendo assim não tinham domínio sobre a leitura e a escrita e suas possibilidades de trabalho após a abolição da escravatura eram extremamente limitadas.
Hoje, em 2018, podemos observar que a situação da população negra tem apresentado um progresso, mas ainda há reflexos dessa época. Atualmente muitas universidades estaduais e federais aderiram ao programa de cotas raciais, que são fruto de uma luta do movimento negro pelo fato de a população negra não estar devidamente representada em ambientes universitários.
Sabemos que a população negra ultrapassa os 50%, mas em grande parte das universidades ela está subrepresentada, principalmente nas áreas de exatas e biológicas, o que é uma consequência da má qualidade da educação que lhes é oferecida e às condições de qualidade de vida a que essa parcela da população é submetida.
Até hoje os efeitos do mito da democracia racial podem ser observados na sociedade. Como aponta Kabengele Munanga, renomado antropólogo da USP, esse mito embasa o discurso da meritocracia, que busca deslegitimar a luta pelas cotas raciais, cujo objetivo é diminuir o abismo social entre brancos e negros.
Para Kabengele, grande parte da população ainda tem dificuldades para se reconhecer como negra, devido ao racismo, que desumaniza essas pessoas e as excluiu do projeto de identidade nacional, negando sua participação na construção desse país e apagando suas raízes históricas africanas.
Sendo assim, temos observado comumente casos de fraudes nas cotas raciais, ou seja, pessoas brancas dizendo-se negras para que possam ingressar nas universidades públicas por meio de cotas. Pessoas essas que buscam uma brecha para que possam usufuir de uma política pública destinada à reparação social e histórica da escravidão.
É importante notar que o Brasil é um país marcado pela miscigenação, resultado de uma política de embranquecimento que não deu certo, haja vista que somos o país que mais possui negros fora do continente africano. No entanto, apesar disso, o racismo é muito presente na sociedade e basta analisar as estatísticas para perceber que a população negra ainda segue em grande parte à margem da sociedade, sendo mais vitimada pela violência policial, pela pobreza, pelo machismo, entre outros.
Devido a essa situação social de desigualdade, pessoas negras ainda têm dificuldade para ocupar os bancos universitários, mesmo com as políticas de cotas raciais. Para solicitar o ingresso por meio de cotas, é necessário fazer uma autodeclaração e é aí que tem surgido as fraudes. Pessoas que nunca foram vítimas de racismo, que sempre gozaram de benefícios devido à cor de sua pele, apelam para um parente negro distante e afirmam que são negras.
Esse quadro nos faz refletir sobre como as pessoas não respeitam o princípio das cotas raciais, que vêm para corrigir um erro histórico que até hoje resulta na marginalização da população negra. Ser negro quando conveniente é extremamente perverso e é uma das facetas do racismo estrutural, que impede a chegada dos negros aos espaços de saber e poder. O objetivo das cotas raciais é enegrecer as universidades para que elas reflitam coerentemente a parcela da população negra.
Dessa forma, é extremamente importante acompanhar o processo de ingresso nas universidades por meio de cotas, pressionando os órgãos públicos para que o acesso às cotas seja de fato para aqueles que têm direito, não para oportunistas que já desfrutam de diversos privilégios sociais.
Imagem destacada: Pragmatismo Político