Por Larissa Santiago para as Blogueiras Negras
Cuidado: SPOILERS!
Finalmente depois de ouvir várias críticas (boas e ruins) sobre Django, resolvi pagar pra ver, no luxuoso e aconchegante Cinema São Luiz em Recife, que tinha até pouca gente para o bom preço do ingresso. Me preparei para o que vinha, esperando Tarantino me dar porradas no estômago, mas confesso que o que bateu na minha cara foi o sorriso gratuito da platéia em momentos que descreverei logo mais.
Algumas opiniões, de fato, se fizeram verdade ao meu olhar, que apesar não especializado em cinema, reconhece expressões de negritude e racismo. Uma dessas questões é a que eu considero central na trama: durante o filme, Tarantino nutre nas pessoas uma tendência a criar empatia pelos brancos (vide Dr. Schultz) e sentir raiva dos negros (Stephen é o exponencial). É o que a escritora Cidinha Silva chama de afetos correlatos.
Era assim lá, naqueles tempos, e permanece assim cá, nos tempos de hoje. A discriminação racial é relativizada pelo afeto do branco pelo negro, é o carinho do senhor pelo escravo.
Racismo no Brasil e afetos correlatos.
E é sob essa máscara que vemos tantas vezes as mucamas de Candyland leais ao seu senhor, vemos Stephen conversando “à altura” com Mr Candie e a irmã do senhor de escravos tendo um lapso de bom senso quando Brunnhilde é vergonhosamente exposta na mesa do jantar.
Além desse, que pra mim é o fio condutor da trama, outra característica forte do filme – e que é bastante delicada para o público brasileiro – é a postura de Django, o escravo livre, em relação aos outros escravos. É bem verdade que, em um determinado momento, ele esclarece o que está acontecendo, mas a sequência de cenas cria um Django que parece não ligar pra condição dos negros escravos, um Django que quando tem o “poder” nas mãos ignora os seus em busca de um objetivo pessoal. Isso é perigoso pra gente – e aqui nos coloco como espectadores brasileiros – que temos como verdade o ditado popular de “quer conhecer um homem, lhe dê poder”.
E por conta da nossa condição de espectador, ressalto que tive e tenho medo da interpretação do público por desconhecer a história da escravidão – a daqui, imagine a dos Estados Unidos -, medo das risadas na cena em que Django está sendo castigado de cabeça pra baixo ou em que ele aparece vestido com seu traje azul (sinceramente, não vi graça). E aí eu sou obrigada (cof cof) a concordar com Spike Lee, quando disse que a escravidão não foi um Western Spaghetti e como Tanrantino tem popularidade, é perigoso que essa seja só essa (eu disse só essa) a estória a ser contada.
E claro, eu não podia deixar de reparar em Brunnhilde: alguns disseram que ela era frágil outros ressaltaram a especialidade em ser a única – além de Schultz – a falar alemão, mas o que me deu mais orgulho foi perceber que ela era, além de tudo, forte. Ela mais de uma vez tentou fugir da escravidão, ela resiste as chibatadas constantes, aos abusos dos senhores e ao forno. Acredito que Tarantino apesar de tê-la colocado como o troféu de Django, a escreveu forte, linda e especial.
O filme deixa muitas mensagens para reflexão: cenas em que o tratamento que se dá a um escravo livre é diferente do que se dá a um senhor de engenho; traz de uma forma incrivelmente plástica a mancha de sangue no sistema de plantation e incita de modo superficial a dúvida do porque os negros não se rebelaram todos contra a escravidão norte americana.
Django me encantou com sua trilha sonora perfeita, com as cenas de violência explícita – que eu achei até terem sido poucas, já que falamos de Tarantino – e com seus diálogos excepcionais. O meu medo é justamente o que ficou na cabeça das pessoas, como elas interpretaram cada personagem e seus embrincamentos na trama.
Pra mim, o resumo de Django é essa citação do nosso Luis da Gama:
O escravo que mata seu senhor, o mata em legítima defesa